“Prevenção do coronavírus foi burlada e as pessoas relaxaram no uso de máscaras”

Suzane Pereira, infectologista no Vale do Iguaçu, esclareceu dúvidas sobre a Covid-19 e comentou o caos na saúde pública de Manaus

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Atualizado há 3 anos

 

Em exclusiva, a infectologista no Vale do Iguaçu, Suzane Pereira, comentou a evolução da Covid-19 no Brasil, a duração do isolamento, e apontou uma esperança: a vacina. Suzane que também trabalhou em Manaus falou sobre o caos na saúde pública naquela região diante da pandemia.


Confira:

JOC: Quanto mais os dias passam, mais dúvidas surgem entre os profissionais da saúde sobre a Covid-19?

SP: Na verdade precisamos nos atualizar todo o dia, porque a cada novo dia existem trabalhos científicos novos; temos trabalhos científicos verdadeiros e outros que deixam a desejar. Nós precisamos de trabalhos robustos, para que a gente (profissionais da saúde) possa fazer condutas que façam realmente efeito à população; não podemos apresentar condutas de falsa segurança às pessoas.

JOC: Doutora, qual é o atual cenário da pandemia na região de União da Vitória?

SP: É que assim, nós estávamos quase que na descida do platô da pandemia, o que ocorreu ali no início do mês de novembro, porém com o feriado de finados, no dia 2, seguido das eleições que aconteceram no dia 15 de novembro e a chegada do Natal e Ano Novo, o cenário mudou. Ao invés do platô descer a curva, ele voltou a subir. Não é uma nova onda da Covid, a questão é que ela estava caindo e voltou a subir o número de casos. O que se percebe é que foi difícil manter o distanciamento social. A prevenção do coronavírus foi burlada e as pessoas relaxaram no uso de máscaras, na lavagem das mãos, com aglomeração de pessoas. É o pior cenário em termos transmissibilidade do vírus entre as pessoas.

 JOC: Praias lotadas e aglomerações. Como o vírus se comporta em um ambiente como esse?

SP: O problema neste caso é o distanciamento social. Se você vai à praia e consegue ter um distanciamento de dois metros da outra pessoa que vai estar com você, até é possível com o uso da máscara de tecido. Agora se for ficar aglomerado é um risco muito grande de transmissibilidade do vírus. Porque a gente sabe que as pessoas que não tem sintomas vão passear, mas elas podem conter o vírus (Sars-CoV-2) podendo transmitir através das gotículas da saliva. O problema são as aglomerações. Aí, essas pessoas que estavam na praia retornar infectadas e desenvolvem os sintomas quando chegam na sua cidade. Então acontece o aumento de casos e até internações hospitalares.

 JOC: Um dos sintomas apontadados por especialistas como característica do coronavírus é a dificuldade respiratória. Como identificar?

SP: Hoje, nós da Vigilância Sanitária, estamos aceitando qualquer sintoma de dificuldade respiratória; ela por si só já é um evento que obrigada o paciente a – POR FAVOR – a procurar uma unidade de saúde. Ele (paciente) pode estar passado por um quadro de diminuição de oxigênio no sangue que se chama Hipóxia Silenciosa. Então, existe um aparelho chamado de oxímetro que é colocado na ponta do dedo e que mede a quantidade de oxigênio que chega a ponta do dedo e que deve ser de 95 ou mais. Se o paciente estiver saturando menos que isso e com dificuldade respiratória irá para avaliação médica imediatamente. 

 JOC: A nova variante da Covid descoberta em Manaus parece ser mais contagiosa e mais letal. O que se sabe sobre ela neste momento?

SP: Na verdade, ela (nova variante) parece ser mais contagiante. Agora, quanto a letalitade é porque existe um colapso de saúde muito grande em Manaus. Lá tem gente precisando de UTI e não tem vaga. Não é que a variante seja letal, é que a mortalidade é aumentada pelo número de casos altos e de pessoas precisando de internação e de UTI. O serviço em Manaus está colapsado.

 JOC: Como impedir que essa variante se espalhe pelo país?

SP: Aí é só com as medidas de prevenção mesmo. Não podemos impedir o direito de ir e vir das pessoas, ou seja, elas podem ir à Manaus e voltar de Manaus, ou mesmo irem à Santa Catarina, por exemplo, que nós já temos o problema de vir contaminado com a nossa Cepa (mutação do vírus) mesmo, né. Não por favor usem máscaras de tecido sob a boca e nariz, e mantenham o distanciamento social. O grande fator de desencadeamento de mais casos da Covid é o fato das pessoas viverem em aglomerações. A gente passa pelas nossas cidades à noite e vê as lanchonetes lotadas; consequentemente as pessoas estão bebendo e não estão usando máscara naquele momento; ali é o momento clássico de transmissão do vírus entre as pessoas e faz com que o ele (vírus) tenha a transmissão sustentada na comunidade. É a nossa Cepa mesmo que vem fazendo casos novos. O meu coração fica pequenininho quando vejo aglomeração de pessoas. Quando a gente olha o comportamento do ser humano a gente fica aborrecido e triste, mas a gente não desiste.

 JOC: Conforme o tempo passa, vai se fortalecendo a corrente de que neste exato momento ainda não existe medicação confiável e comprovada para evitar ou combater a Covid. Porque médicos no País todo, inclusive aqui, seguem indicando medicamentos sem comprovação? Porque as pessoas estão se auto-medicando?

SP: Por medo! É o medo versus o conhecimento. Quando eu tenho conhecimento técnico de que aquilo não é eficaz, aí temos a segurança de não prescrever o medicamento, no entanto, o paciente também pode ter segurança em falar para ele (médico) olha isso não funciona! Isso tem que ser dito com muita tranquilidade e firmeza; porque se a Covid tiver que entrar na fase inflamatória ela vai entrar, independentemente da idade, sexo, enfim. Ainda, todos os antivirais foram testados e remédios também. Eu, por exemplo, era defensora da cloroquina, e me dei por vencida por outro trabalhado mostrando evidências claras de que a Cloroquina não tem eficácia alguma com relação a Covid; então eu deixei de prescrever. Muitos medicamentos são prescritos, mas sem evidências científicas corretas e sem trabalhos robustos para mostrar sua eficácia.

 JOC: Há planejamento para que o está acontecendo no Amazonas neste momento não ocorra no Paraná, Santa Catarina e em nossa região? O que está sendo feito?

SP: Sim, nós estamos nos preparando tecnicamente, através da capacitação de enfermeiros, de médicos com orientações sobre a ocupação de hospitais, para que não haja um colapso do sistema de saúde. O que é um colapso? É quando as pessoas precisam de um mesmo atendimento e no mesmo momento e, você não tem para dar para todo mundo. Então, existe sim uma programação em Santa Catarina e no Paraná para que não haja o que ocorreu no Amazonas. Sabe porque, o Amazonas teve leitos para Covid, teve até Hospitais de Campanha e imaginou que tudo já tivesse passado; só que a pandemia não passou. Eu conheço Manaus há 17 anos e conheço a epidemiologia de todos os parasitas de lá e, olha que temos muitas doenças graves e que não chegam aqui. Vale lembrar que a pandemia não é emergência é planejamento. 

 JOC: No seu entendimento, o papel do Presidente da República tem prejudicado o combate ao coronavírus?

SP: Ah! Ele é uma figura (risos). Eu realmente não tenho autorização para falar do Bolsonaro publicamente. Mas, assim, se ele quiser tomar a vacina contra a Covid toma, se não quiser não toma, entendeu? É uma decisão dele. O que ele não pode é combater a eficácia clínica comprovada que é o que a gente de demais profissionais da saúde trabalham. Se ele não quiser se vacinar e a família dele também não, é uma decisão que eles tomam. Até porque ele (Presidente) já teve a Covid e acha que vai ficar imune, mas não é assim que funciona.

 JOC: Doutora, se o Presidente da República defendesse publicamente o uso de máscara, a vacinação e o distanciamento; por exemplo, a senhora acha que isso contribuiria para diminuir a resistência e a desinformação?

SP: Para aqueles que o seguem como matilha sim. Porque se ele (presidente) afirma que não usa máscara, que não faz isso ou aquilo, as pessoas ‘bolsonaristas’ radicais seguirão a mesma orientação dele. Já para o restante da população que compreende que a gente estuda, que a gente tem trabalho cientifico e que a gente não faz política, ela vai seguir o que é técnico e o que é colocado pela sua secretaria municipal de saúde, pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde, mas de forma técnica.

 JOC: Vacina contra a Covid, é a favor?

SP: Sou a favor da vacina, meu braço já está lá.

 


Entenda

Platô – Palavra de origem francesa e que vem sendo utilizada pela classe médica durante a pandemia; significa hora em que a curva de casos da doença começa a envergar.

 Hipóxia silenciosa – é aquela na qual ocorre uma diminuição da saturação de oxigênio no sangue sem que o paciente apresente o desconforto respiratório. Em muitos casos de Covid, a hipóxia silenciosa pode ocorrer, especialmente em pessoas com mais de 60 anos. A consequência disso é que o paciente só vai apresentar sintomas quando a saturação de oxigênio está muito baixa. Algumas vezes, já é tarde demais.

 Oxímetro – pulso de dedo é um dispositivo que mede indiretamente a quantidade de oxigênio no sangue.

 


Saiba mais

A entrevista na íntegra você confere na página da CBN Vale do Iguaçu – 106.5.

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