Como identificar sinais de violência sexual em crianças

Psicóloga orienta diálogo familiar frequentemente; crianças precisam saber sobre os limites dos seus corpos e que ninguém pode tocá-los sem que elas permitam

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Atualizado há 3 anos

Portal do Médico SP

Seu filho ainda é uma criança.

Está na fase de brincar, correr, reconhecer gostos, cores e sabores. Tem todo um percurso para celebrar a vida.

Até aí, tudo perfeito não é mesmo?

A questão é que, em um piscar de olhos, tudo o que foi projetado de melhor para esse menino, pode desmoronar. Seu filho tinha apenas cinco anos de idade quando começou a ser cortejado por um homem de 40 anos. O pequeno não tinha noção alguma do perigo, tampouco a sua mãe. Ela achava que ele, um amigo da família, era apenas um homem mais velho dando atenção ao seu menino. Um ano depois, aquele homem havia confessado que era um abusador e ficou preso por ter realizado sexo com um menor de idade e também por pornografia infantil.

O menino, agora com 32 anos de idade, mora em Curitiba (PR). Para ele, ainda é difícil esquecer o ocorrido na sua infância. Muito embora ele não recorde do abuso sexual em si, as cicatrizes não desapareceram da sua memória. Ele faz terapia e nunca julgou a sua mãe pelo o que aconteceu. Sabia que ela queria o seu melhor, mas que ficou cega diante da situação que envolvia uma pessoa, que segundo ela, aparentemente era confiável. “Ainda não sou pai. Mas, prometo alertar às crianças sobre o abuso sexual. Não quero que aconteça com eles o que aconteceu comigo”.

A história é real. Ela foi contada informalmente para uma professora de União da Vitória. A identidade do menino, agora um homem, não pode ser revelada. Ela lhe prometeu sigilo. Mas, também prometeu a ele que espalharia a sua história como um alerta para muitos pais no Vale do Iguaçu. Sempre que possível, durante palestras sobre abuso sexual, nas escolas da região, ela comenta sobre o impacto da situação – ainda presente –, na vida do garoto, mesmo anos depois de os abusos acabarem.

Essa não é a única história de abuso sexual na infância e na adolescência. Existem milhares de situações espalhadas pelo País afora, infelizmente.


Infância pede socorro

O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes ocorre anualmente no dia 18 de maio. Segundo a psicóloga e neuropsicóloga no Vale do Iguaçu, Natalie de Castro Almeida, não apenas nesta data, mas durante o ano todo, cabem orientações para que os responsáveis conversem e expliquem limites às crianças e aos adolescentes.

“Vítimas de abusos precisam recuperar suas vidas buscando um profissional da psicologia através de apoio emocional, também com familiares ou pessoas próximas em que a criança confie e se sintam seguras. Frequentemente, a criança ou adolescente que sofre o abuso sexual apresenta sentimento de culpa, inferioridade e baixa autoestima”, diz.

Natalie orienta para que essa intervenção psicológica com vítimas de abuso sexual seja conduzida por profissionais capacitados.

“Na formação da psicologia nós somos preparados para dar conta de uma situação como essa. Uma metáfora que eu usaria para descrever o que acontece no universo psicológico e emocional de uma criança abusada sexualmente, por um membro da família, e de forma repetida, seria a solidão e o medo”.

De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2021 cerca de 52% dos casos de exploração, violência ou abuso sexual ocorrem dentro da casa da vítima e apenas um em cada dez casos é notificado às autoridades.

Abuso Infantil

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em maio deste ano, apresentou uma campanha diante do 18 de Maio, por meio de cards informativos sobre alguns dos sinais que podem indicar abuso sexual infantil.

Cita, por exemplo, a “queda do rendimento escolar; redução injustificada na frequência escolar ou baixo rendimento causado por dificuldade de concentração e aprendizagem; mudanças de comportamento; alterações de humor, agressividade repentina, vergonha excessiva, medo ou pânico; comportamentos sexualizados; crianças ou adolescentes que apresentam um interesse por questões sexuais ou que façam brincadeiras de cunho sexual e usam palavras ou desenhos que se referem às partes íntimas podem indicar uma situação de abuso; comportamentos infantilizados; se a criança ou adolescente volta a ter comportamentos infantis, que já havia abandonado antes, indica que pode ter algo errado”.

Ainda, na cartilha, constam enfermidades psicossomáticas e problemas de saúde, sem aparente causa, como dores de cabeça, erupções na pele, vômitos e dificuldades digestivas.

“Falar da violência sexual, muitas vezes não acomete propriamente o ato em si, mas sim, outros tipos de violência como a emocional. Um adulto não pode gerar desconforto para uma criança, pois em alguns casos ela não foi violentada, mas existe a tentativa do abuso, o desejo sexual por parte do adulto. Na maioria, as crianças são felizes, falantes. É preciso reparar em uma criança fechada e com choro espontâneo. É preciso ficar sempre em alerta. Um adolescente geralmente esconde muito mais as situações como essa. Cabe ao adulto entender e acolher essa criança e adolescente. Ela precisa se sentir amparada e, que está sendo ouvida. Caso a criança ou adolescente não tenha consciência desse desrespeito por parte de um adulto, isso pode vir a se repetir”, acrescenta Natalie.

Para a profissional, é importante humanizar o atendimento para as pessoas de extrema fragilidade em virtude da violência sexual.
A denúncia de casos de abuso ou exploração sexual pode ser feita pelo Disque 100. A ligação é gratuita e pode ser feita de forma anônima. O serviço está disponível 24 horas, todos os dias, inclusive nos finais de semana e feriados.


Desenhos e brincadeiras revelam vítimas de abuso sexual?

A psicóloga Antonieta Cavalcante, com atuação na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e Adolescente (Depca), em Manaus, em entrevista ao Portal G1, acrescentou que na maior parte dos casos, os abusadores são membros da família ou próximos da vítima, tornando a denúncia ainda mais difícil. “São pais, tios, avós, um amigo que frequenta muito a casa e tem a confiança da família. Eles dizem para a vítima não falar, muitas vezes ameaçam fazer algo contra alguém que a criança gosta ou dizem que não vão acreditar nela, que é normal”.

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Segundo ela, nos atendimentos realizados em 2017, após o registro das denúncias na delegacia e, por meio de brincadeiras, as vítimas foram revelando o que passaram.

“A abordagem é diferente em relação à idade de cada uma. O maior medo delas é que o que elas nos contam seja passado para quem está lá fora. Só depois de garantir que nada será exposto é que elas contam, simulam com os bonecos em que parte do corpo delas o autor tocou, ou desenham do jeito delas como foi o abuso. Todas essas informações ficam em um relatório que é enviado para o juiz”, explica.


18 DE MAIO

Foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, depois que uma menina chamada Araceli Cabrera Crespo foi sequestrada, violentada e assassinada, em 1973, no Espírito Santo. O corpo dela apareceu seis dias depois, carbonizado. Os agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos. A Lei Federal nº 9.970/2000 dedicou a data à memória da vítima.


Entenda

Exploração sexual: Envolve dinheiro em troca de sexo e pode ter relação com redes criminosas;

Abuso Sexual: Não envolve dinheiro, ocorre quando criança ou adolescente é usado para estimulação ou satisfação sexual de um adulto e pode ocorrer dentro ou fora do ambiente familiar por uma pessoa conhecida ou desconhecida da vítima;

Estupro e corrupção de menor: São considerados crimes hediondos, ou seja, não tem direito a fiança, indulto e a pena não diminui por bom comportamento;

Estupro de vulnerável: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Pena: reclusão de 8 a 15 anos;

Corrupção de Menores: Praticar, na presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem. Pena de reclusão de 2 a 4 anos. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Pena de reclusão de quatro a dez anos.

Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.