INDÚSTRIA: A incrível fábrica da transformação

Neste processo de mutação, empresas amadurecem ao enxergar o colaborador como o capital mais importante – e ainda conseguem ganhar com isso

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Atualizado há 4 anos

(Foto: Mariana Honesko).
(Foto: Mariana Honesko).

União da Vitória deixou de ser conhecida como um potencial madeireiro há muito tempo. Hoje, a cidade é bem mais empreendedora e diversificada. Qualidades que nasceram meio sem querer. É que não havia outro caminho: as indústrias de madeira foram fechando, aos poucos, empurradas pela mudança de foco dos empresários da época, pela soma das trabalhistas acionadas pelos funcionários e pelo corte sem qualquer controle da madeira.

“No passado, tínhamos empresas fortes e com administração familiar. Antes, era uma relação apenas de patrão e empregado. Mas havia muita exploração de mão-de-obra, pela falta de instrução dos empregados e pela falta de visão dos patrões. O desaparecimento das industrias de madeira também aconteceu pelo desperdício da madeira. Era sem regra, sem pensar no futuro. Esse modelo funcionou no passado e hoje pagamos caro por isso”, lembra o Historiador, Aluízio Witiuk. “Infeliz e pobre do patrão que estufa o peito e diz que cumpre a Lei, que paga o salário mínimo da categoria. Isso é coisa do passado”, completa.

A quebra de um ciclo foi o início de uma mudança radical, muito além do nascimento de um novo negócio. Com o surgimento de outros empreendimentos – atualmente, o comércio, a indústria de transformação e a agropecuária, conforme dados do Relatório Dinâmico do Sesi, são os principais mercados no Paraná e também em União da Vitória– e até com a remodelação dos que se mantiveram em pé, nasciam também novos gestores, muito mais interessados no capital humano do que na compra da última geração de máquinas, por exemplo. Uma nova era onde o tripé, homem-máquina-mão-de-obra, começa a se alinhar.

Obviamente, a indústria em União da Vitória, como boa parte do País, ainda carece de uma massificação de bons exemplos – em 2015, cerca de oito milhões de brasileiros reclamavam das condições de trabalho, segundo o IBGE. Mas a cidade tem empresas que merecem dez com estrelinha. Elas fazem a lição de casa ao entender que o funcionário é um ser humano e como tal, cansam, tem problemas e limitações. Na verdade, é mais do que isso.

Além de enxergar quem veste a camisa, estas empresas tentam facilitar as dificuldades do cotidiano. Algumas, estimulam seus colaboradores a serem melhores pessoas, a ter maior nível de escolaridade, a cuidarem de si e de sua família. E não se trata apenas de bondade: é que o investimento no funcionário gera lucro para a própria empresa. Não é toa que esse ‘enxergar’, coloca a indústria nacional como a máquina que puxa em seus trilhos, a representação de 21% do PIB, e na locomotiva toda, outros 51% das exportações.

Rafael Javorski
Rafael Javorski

“Quando a gente entrega apenas dinheiro, a relação é pobre. Quando além de pagar, a empresa oferece oportunidades, programas, atendimento para a família, aí, de forma voluntária, a pessoa entrega muito mais que só o trabalho”, ensina o diretor de Recursos Humanos da Pormade, Rafael Javorski. A empresa, que desde 2002 está entre as melhores para se trabalhar no Brasil, conquistou no ano passado o título de ser a melhor também no Paraná e neste ano, a quarta (com até mil funcionários) do País. “As pessoas são o principal diferencial competitivo de uma empresa. Uma máquina, um barracão, são importantes, mas não mais do que as pessoas que trabalham ali. O resto é comprado”, comenta.

Mas a Pormade, que tem quase 90 anos, nem sempre foi tão exemplar. A visão mudou no começo dos anos 90, quando o diretor da empresa, Cláudio Zini, voltou de uma viagem ao Japão. “Ali ‘virou a chave’, segundo ele. Naquele momento, quando ele viu a gestão participativa dando certo, decidiu fazer o mesmo na empresa, criando as práticas, os valores da empresa e acelerando neste processo, sem timidez”, conta Javorski.

De lá para cá, tudo melhorou: dos bons modos ao nível da educação. Em 1994, por exemplo, mais de 60% das pessoas tinham menos que o Ensino Fundamental. Poucos com o Ensino Médio e raríssimos com o Ensino Superior. Hoje, os dados estão inversos: mais de 60% tem o Médio, Superior e até pós-graduação. “Temos um dos valores que é o ‘desobedecer para fazer o melhor’. Explicar esse valor para quem tem o Fundamental incompleto é muito mais complexo do que explicar para quem tem pós-graduação. A capacidade cognitiva maior faz com que a empresa trabalhe com práticas mais aprimoradas”, exemplifica o diretor.

Mais do que estimular a procura pelos bancos escolares, a empresa trouxe a escola até os colaboradores, literalmente. Parceria feita com o governo do Paraná e mais tarde, com Santa Catarina também – a empresa também tem empresas em Porto União, na divisa de Estados – garante a realização do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), para a conclusão dos níveis básicos, na própria empresa. O projeto atende também aos familiares dos funcionários. “Aula na empresa até o Ensino Médio”, sorri o diretor. “Depois, temos um programa de subsidio para a faculdade. Não são todos, mas a gente faz uma análise da pessoa e do curso, onde pagamos parte do valor da mensalidade. Hoje temos mais de 60 pessoas estudando com financiamento nosso”, completa.

Outra aposta da empresa é envolver os trabalhadores na gestão. Um operador de máquina, por exemplo, é encarado como maior que isso. “Temos gincanas, o Festival de Problemas e Inovações, que dão a oportunidade para as pessoas pensarem em soluções, em coisas diferentes. Essa valorização das pessoas com alguém pensante, ajuda muito”, conta. “Enxergamos isso tudo como investimento. Obvio que temos gastos, mas é algo que não nos preocupa”, garante Javorski.

E quem conquista uma vaga, não larga mais. Aliás, o nível de rotatividade de funcionários é baixíssimo e é um dos itens exigidos pelo instituto que afere a qualidade empresarial. Diego Arthur Vence é um destes funcionários. Ele atua na área comercial da Pormade. Há dez anos, o carimbo de ‘contratado’ é o único em sua Carteira de Trabalho. “Foi em 2008. Eu estava pensando em servir o Exército, mas na verdade, eu queria o trabalho na empresa. Vim, comecei na linha de colagem de capas, nas prensas e depois, fui me interessando, fazendo cursos, passei para o setor de furação, comecei a faculdade e deu certo”, sorri, orgulhoso do histórico irretocável. Diego acabou estendendo os ensinamos da empresa para a vida. “Sou novo, tenho 28 anos, e aqui, o contato com pessoas mais experientes, bem-sucedidas, motiva muito. Procurei ter minhas coisas próprias. Hoje eu casei, tenho filhos, e até minha esposa trabalhava aqui”.

Histórias de vida que ultrapassam a barreira do Cartão Ponto também são encontradas no ‘chão de fábrica’ e nos cargos mais altos do grupo InBrasil. A empresa, que fica no bairro São Gabriel, tem seu setor de RH liderado por uma mulher, algo que já merece destaque diante de uma estatística que cresce, só que a passos lentos.

Viviane Pimentel da Costa
Viviane Pimentel da Costa

Viviane Pimentel da Costa está entre o percentual de 37,8% – conforme divulgou em março o IBGE – de mulheres que ocupam cargos de chefia. É gerente do setor e com maestria, conquistou o respeito dos 220 funcionários da INBR e da Madeira Plástica, empresas que compõe a InBrasil. Ela soube aproveitar as oportunidades. “Comecei em 2004 como operadora de máquinas. Fiquei dois anos no processo de produção. Quando comecei, já comecei também a me desenvolver. Logo, fui convidada para ajudar no setor administrativo e acabei recebendo uma proposta para gerenciar o RH sozinha”.

O passaporte para voar mais alto segue disponível no grupo, para quem quiser, dentro de uma filosofia que o empresário Marco Adriano Sterle, dono do grupo, entende como funcional. Assim, as histórias de conquistas acabam se replicando.

Em 2013, por exemplo, Viviane registou Felipe Martins como Mecânico de Manutenção. Hoje, ele é chefe também, onde gerencia o trabalho e cinco funcionários em seu setor. “O patrão disse numa reunião tempo atrás que o ‘mais importante é a atitude’. Concordo com isso. Pessoas que tem atitude tem seu mérito reconhecido”, diz, com um sorriso largo no rosto. E o trabalho é pesado: Martins e sua equipe, para dar conta de toda a fábrica, precisa estar atento à cada engrenagem. “A gente fabrica máquinas, 40% de nossa planta é feita por nós e toda a manutenção, com exceção da usinagem, é feita por nós mesmos”, explica. Dá para entender os motivos de um sorriso imenso em seu rosto, acompanhando de uma frase de “gente grande”, alimentada com estímulos, desafios e vitórias. “Me sinto forte para tomar decisões por conta de ter atitude dentro da empresa. Isso a gente leva para fora, para nossa família”.

A construção de colaboradores como Martins, reflete a criação dos produtos da marca InBrasil. É a “fábrica de gente”, que transforma pessoas em matéria-prima, essenciais e preciosos. “Para tudo isso dar certo, temos vários trabalhos. Temos um coaching que duas vezes por semana trabalha com os gerentes. Temos desenvolvimento de líderes. Para alguns cargos estratégicos a empresa paga um MBA em Curitiba. Ajuda de custo em cursos profissionalizante, onde a empresa paga 100 ou 50%. Trabalhamos com palestras de conscientização e mantemos parceria com várias instituições de ensino, para trazer cursos para os trabalhadores”, conta Viviane. E por aí vai. A lista é grande, mas entre outras intervenções, oferece até sessões de massagem para os colaboradores.

Mais relaxado e esperando o próximo afago ou treinamento, o funcionário vai trabalhar mais contente e comprometido. E quem lucra com tanta endorfina no ar? “Quando eles sentem que a empresa valoriza o trabalho, eles se sentem mais valorizados e buscam esse comprometimento, ser assíduos, responsáveis. A empresa tem um grande retorno e quem demonstra atitude, ela cresce junto. Consequentemente, a pessoa transforma sua vida pessoal também”, responde Viviane.

Construindo seres humanos melhores

A indústria paranaense é a que mais cresce no País. Do alto do seu posto, deixa para trás os estados de Santa Catarina, do Amazonas e do Espírito Santo. Em 2017, esse ranking foi pontuado por conta de sua expansão em 8,8%, de acordo com dados do IBGE. Também no ano passado, nos últimos 12 meses (terminados em agosto), o setor cresceu 2,9% e na comparação entre agosto e julho.

E a mesma indústria robusta, que tem no som da solda, dos motores, das máquinas e do apito de suas chaminés sua sinfonia, cuida de peças delicadas. São peças cheias de sentimentos, que acordam cedo todos os dias e que depois de um pedido de bênçãos ao céu, deixam o lar para mais um dia. É uma orquestra completa, onde os instrumentos precisam estar afinados, bem cuidados. “A felicidade no local de trabalho influencia na produtividade, na qualidade das minhas relações interpessoais e na minha vida lá fora, não só no ambiente corporativo”, afirma a psicóloga, Daniele Jasniewski. “As melhores empresas para se trabalhar, são aquelas que oferecem melhores condições de trabalho e não aquelas que investiram em máquinas. São aquelas que investiram nas pessoas”, completa.

Para Daniele, de nada adianta uma empresa bela, moderna, se quem opera tudo isso não está saudável na organização. “E isso começa com o bem-estar. Começo com os gestores. Não são meus pares na hierarquia, são meus superiores no organograma da empresa. Um gestor muito autocrático, muito rígido e que trata todos os alguns de maneira perversa, que não reconhece meu comprometimento, trata mal seu próprio negócio”, diz.

Empresários que tem este entendimento, acabam tendo melhores resultados. Exemplos em sua própria empresa, os chefes são como espelhos e refletem nos colaboradores suas próprias ações, boas e más. “O líder está com a batuta na mão e como ele mexe com ela, a banda toca”.

Ficou apenas nos livros de história

Não é preciso viajar no túnel do tempo para entender como o conceito sobre o trabalhador mudou. Em União da Vitória, a exploração madeireira, que colocou a região em um nível de reconhecimento e de riqueza durante algum tempo, parece revelar um capítulo sombrio sobre o tratamento dado aos funcionários. Naquela época, entendê-los como colaboradores era inimaginável.

“Vamos pegar a extração de toras. As condições deste trabalhador, no meio da mata, onde se abria estradas precárias, onde se usava os animais, as condições de moradias, a alimentação pesada, sem nada de segurança, condições de higiene zero. O trabalhador produzia, com sua força física. Eram condições precárias”, conta Witiuk, dentro de um contexto do século 20 até os anos 50. Para os parâmetros da história, isso aconteceu “ontem”.

Foi um tempo de trabalho duro e pouco reconhecimento. A exploração, que formou uma legião de mutilados, por conta dos acidentes e da falta de assistência médica, era também financeira. “Na época dos engenhos que se tinha aqui (União da Vitória e região), os funcionários trabalhavam e trabalhavam. Apenas isso. Ai, eles faziam uso dos armazéns dos patrões mesmo. No final do mês, era ‘passado a régua’ e lamentavelmente o trabalhador até ficava devendo para o patrão. Ele não tinha outra opção”, conta.

O Brasil, essencialmente agrário até a década de 30, começou a ver a luz no fim do túnel a partir da instituição do salário mínimo, no governo do então presidente, Getúlio Vargas. Neste mesmo momento, com a queda no valor do café, que ditava o ritmo econômico nacional, a economia ruralista fica em segundo plano – mas não menos importante. Nasciam ali as primeiras grandes indústrias e se virava uma importante página na relação entre patrão e empregado.