PONTE DE FERRO: O QUE VOCÊ VÊ AQUI?

Cruz? Uma marca da construção? Um sinal? Reportagem apurou o significado do suposto mistério das pedras que ficam no pé de um dos pilares da estrutura

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Atualizado há 4 anos

Enigma: supostas cruzes ficam no pé de pilar próximo à São Cristóvão. (Foto: Mariana Honesko).
Enigma: supostas cruzes ficam no pé de pilar próximo à São Cristóvão. (Foto: Mariana Honesko).

Viralizou na rede social a imagem de pedras com o sinal de uma cruz no pé de um dos pilares da Ponte de Ferro, em União da Vitória. O baixo nível do rio Iguaçu revelou as peças. Para muitos, se trata de algo sagrado e dentro deste conceito, fruto de infinitas possibilidades. E você, o que vê nessas fotos ?

Em busca de respostas, a equipe saiu à campo para investigar o assunto. No fim de janeiro, depois de caminhar até um pouco mais da metade da ponte pela passarela de pedestres, eis que as pedras são avistadas. De fato, a primeira impressão é de que realmente sejam cruzes em pedras. Expostas, duas delas, praticamente idênticas, mostram o mesmo sinal.

Uma breve lida nos comentários da publicação feita por Mariano Filho em sua conta na rede, mostra que o imaginário popular é bastante crente que a explicação é espiritual. Ou tem ligação com ela. Ele mesmo cresceu ouvindo histórias assim, para explicar o aparecimento das tais cruzes. “Eu já sabia dessa história há uns 50 anos. Minha mãe sempre me contava que morreram algumas pessoas na construção da Ponte Machado da Costa (a Ponte de Ferro) e que em homenagem aos mortos, as cruzes foram esculpidas pelos trabalhadores”, disse ele que se mostra apaixonado por fatos curiosos – e até misteriosos – do Vale do Iguaçu. “Você vai ouvir diversas explicações sobre a origem dessas cruzes”.

Para quem conhece a história da Guerra do Contestado, se trata de cruzes e de modelos peculiares, idênticos ao símbolo que está na bandeira do conflito. Já para outros, as cruzes foram colocadas ali para homenagear quem usou o rio para tirar sua vida. Há ainda quem diga que a suposta cruz é do Cemitério Municipal de Porto União, trazida pelas cheias de 1983 até a ponte.

“Em 1905, a grande enchente arrastou rio abaixo uma ponte provisória de madeira. Era um tempo onde a religiosidade fazia parte da vida das pessoas”, avalia o jornalista, Dago Woehl, outro amante das histórias locais. “Só estou estranhando o tipo da cruz”, completou.

A resposta de Dago pode estar na avaliação do coordenador de Pesquisa e Extensão do campus de União da Vitória do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Vitor Marcos Gregório. Cético, ele aponta para outro e simples viés. “Tenho uma hipótese. Não é uma cruz, é um sinal de ‘mais’. São encaixes da montagem das próprias pilastras”, pontuou.

É preciso voltar um pouco no tempo para entender de onde vieram as pedras – e seus sinais. Antes da construção da atual Ponte de Ferro (1953), outra ponte existia (1907). “As pilastras da outra ponte, essa antiga, foram reforçadas. Essas pedras só estão nas pilastras de pedra, nas antigas. Nas novas, de concreto, não”. Gregório defende um encaixe das peças, como um quebra-cabeça. “Repare que, em um olhar mais cuidadoso, não se trata de uma cruz, mas um “mais”. O caso é que no ponto de quebra da pedra a parte que entrava em contato com outra e que, portanto, estava cimentada (por isso está branco dentro do +, é o cimento que a unia a outra) também lascou, tirando o cimento e dando a impressão de que falta uma parte do sinal, o que configuraria cruz. Na outra pilastra, mais para o meio do rio, há outras pedras com tamanho parecido que, imagino, possuem este sinal voltado para baixo. Elas também possuem marcas de encaixe, embora mais suaves”. Na pilastra que fica no meio do rio, as pedras com os encaixes “machos” cujas dimensões correspondem as da pretensa “cruz” aparecem”.

De toda a maneira, cruz ou um simples sinal de “mais”, o certo é que o fenômeno da rede social trouxe à tona não apenas a tal pedra, mas também, as teorias populares, tão ricas quanto o imaginário humano. “As histórias populares são mais interessantes, claro – sempre são – mas creio que, no final, a solução do mistério da pedra em cruz é muito mais simples e prosaica – geralmente o é”, disse o professor Vitor.