Dólar sobe 1,33% com possibilidade de Auxílio Brasil fora do teto de gastos

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Atualizado há 3 anos

A informação de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, pretende driblar a regra do teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil no valor de R$ 400 até dezembro de 2022 provocou uma forte deterioração dos ativos domésticos nesta terça-feira, 19, e levou o dólar à vista a fechar o dia perto do limiar dos R$ 5,60.

Descolada do comportamento externo, a moeda norte-americana operou em alta firme por aqui desde o início dos negócios, a despeito de o Banco Central ter vendido US$ 500 milhões à vista ainda pela manhã. O mercado digeria mal a informação apurada pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) de que, do valor de R$ 400 do programa social, R$ 100 seriam bancados por uma despesa extrateto da ordem de R$ 30 bilhões.

Também ecoavam nas mesas de operação as declarações da segunda-feira do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que não se pode “pensar só em teto de gastos e responsabilidade fiscal” em detrimento da população – lidas como uma senha para abandono da regra fiscal pela classe política.

Para piorar, a reforma do Imposto de Renda, tida como uma das fontes de financiamento do Auxílio Brasil, sofreu um duro golpe após o relator da proposta no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), afirmar que não tem data para apresentar seu parecer. Além disso, a reunião da comissão especial da PEC dos Precatórios prevista para esta terça às 14 horas, foi adiada para a quarta-feira, 20. A aprovação da PEC abriria, em tese, espaço para compatibilizar um Auxílio Brasil maior com o respeito à âncora fiscal.

O caldo entornou de vez ao longo da tarde diante da informação, apurada pelo Broadcast, de que a despesa com o programa social que ficará fora do teto pode ter seu valor fixado em uma PEC. A equipe econômica trabalharia na contenção de danos, na tentativa de limitar a despesa extrateto a R$ 30 bilhões, enquanto o Palácio do Planalto considerava esse valor ainda “em aberto”.

Em uma escalada contínua, o dólar chegou a tocar na casa de R$ 5,61, ao registrar máxima de R$ 5,6123 (+1,66%) logo após à 16 horas. Operadores notavam onda de zeragem de posições à medida que se aproximava o horário do anúncio formal do Auxílio Brasil, às 17 horas.

A febre compradora amainou após o Ministério da Cidadania cancelar o evento de lançamento do auxílio Brasil, com a moeda norte-americana perdendo o fôlego e chegando a ser negociada momentaneamente abaixo da linha de R$ 5,58. Com nova aceleração dos ganhos na reta final dos negócios, o dólar à vista encerrou a sessão em alta de 1,33%, a R$ 5,5938 – maior valor desde de fechamento desde 15 de abril (R$ 5,6281).

Seja qual for o desfecho da proposta, analistas e operadores ouvidos pelo Broadcast são unânimes em afirmar que o governo vai abandonar, mesmo que informalmente, o teto de gastos. As consequências são uma piora das condições financeiras, com a formação de uma espiral negativa para a economia: alta do dólar, deterioração das expectativas de inflação, maior aperto monetário e redução do crescimento.

O sócio e gestor da Galapagos Capital, Sergio Zanini, afirma que a “sinalização do governo é muito negativa” e ressalta que o mercado em nenhum momento trabalhava com a hipótese de um Auxílio Brasil no valor de R$ 400. “O furo parcial do teto é uma preocupação grande. Não é só o que está sendo falado hoje. Existe os risco de execução quando isso for debatido no Congresso”, afirma Zanini, chamando a atenção para o fato de que pela primeira vez se viu o presidente da Câmara “falar explicitamente” contra o teto dos gastos.

Para Zanini, tendo em vista o que está sendo proposto com o Auxílio Brasil e os sinais da classe política, já não fará diferença para a precificação dos ativos domésticos se houver novas baixas na equipe econômica e até mesmo a eventual saída de Paulo Guedes do governo, como chegou a ser ventilado em certo momento do dia. “Pode colocar quem você quiser como ministro da Economia que o resultado não vai ser diferente. Entramos em um processo político e eleitoral”, diz o gestor da Galapagos.

Diante da deterioração do ambiente fiscal, Zanini diz que o BC tem pouco a fazer, já que um choque de juros poder agravar ainda mais a percepção sobre a dinâmica das contas públicas. “Ele está tentando neutralizar parte relevante dos fluxos de saída com as intervenções. Mas a realidade é que o fundamento econômica está piorando e isso tem impacto no câmbio”, diz.

Em evento do Banco JPMorgan, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, disse que as intervenções da autoridade monetário no mercado de câmbio não vão mudar “de maneira nenhuma” e que “o nível do câmbio não importa e nem o impacto nas projeções de inflação”. Kanczuk reconheceu que o BC tem dificuldades em entender os motivos por trás da depreciação do real.

Para economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, é difícil neste momento ver um teto para a taxa de câmbio, mesmo com mais altas da taxa Selic e possível aumento das intervenções do Banco Central. Ele nota que a deterioração da política fiscal já está em curso faz algumas meses e que, mesmo com eventual alívio diante de recuos do governo e promessas anteriores de cumprimento do teto, os preços dos ativos domésticos mudavam de patamar.

“Essa questão da despesa que vai ficar fora do teto cria um precedente perigoso. A mensagem é que na dificuldade se muda a regra fiscal. No limite, não há mais regra”, diz Lima, lembrando que dinâmica parecida correu ao longo do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com o abandono informal da geração de superávits primários. “Essa perspectiva de piora fiscal mais afeta o câmbio de forma mais permanente. É difícil dizer que há um teto para a taxa, mesmo com o BC tentando amenizar os fluxos.”

Os juros futuros dispararam nesta terça-feira, com máximas perto de 70 pontos-base nos vértices intermediários, dada a reação extremamente negativa à proposta para o Auxílio Brasil, criticada por especialistas e com o mercado precificando uma possível a saída de nomes no Ministério da Economia.

A avaliação é de que os estragos vão bater na inflação e sobrará para a política monetária a tarefa de conter danos, sacrificando ainda mais a atividade. O quadro de apostas para a Selic no Comitê de Política Monetária (Copom) próxima semana teve uma guinada, com a curva agora precificando 90% de probabilidade de alta de 1,25 ponto porcentual.

O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) mais líquido, para janeiro de 2023, fechou com taxa de 9,84%, de 9,366% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2025 fechou com taxa de 10,89%, de 10,275% na segunda-feira. A taxa do DI para janeiro de 2027 encerrou em 11,19%, de 10,664%.

O arranjo que o governo montou para os programas sociais, com o Auxílio Brasil e mais duas parcelas complementares, pagas uma dentro e outra fora do teto de gastos, chocou o mercado, que agora trabalha com um cenário de “descalabro fiscal” para o País. O valor total seria de R$ 400 em 2022 e a equipe econômica trabalha para limitar o extrateto a R$ 30 bilhões, mas a pressão política para ser maior é grande. Segundo apurou o Broadcast, a despesa que ficará fora da regra deve ter o valor fixado na PEC que dará a autorização à medida. Deixar mais gastos fora do teto seria uma maneira de abrir espaço no Orçamento para outras despesas, como emendas parlamentares, por exemplo.

O governo havia preparado o anúncio do novo programa para as 17 horas, mas pouco antes cancelou a divulgação, sem explicar o motivo nem dar nova data. De todo modo, ajudou a desacelerar um pouco o ritmo de avanço das taxas no fim do dia. Na leitura do mercado, a repercussão fortemente negativa da proposta pode estar por trás do cancelamento, incluindo o risco de baixas na equipe econômica. O primeiro pode ser o secretário Especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, que várias vezes deixou claro que não assinaria nenhuma medida que envolvesse a edição de créditos extraordinários, que ficam fora do teto. Não se descarta até que a permanência do próprio Paulo Guedes esteja em risco.

Diante das evidências de populismo fiscal com viés eleitoreiro, Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, destaca o fato de o Banco Central agora ser autônomo. “Se não, já começaríamos a questionar se a política monetária cumpriria seu papel de colocar a inflação na meta, elevando os juros”.

Se o governo levar a cabo a proposta, a inflação deve ser pressionada não somente pelo expansionismo fiscal em si, mas também via câmbio, principalmente em função dos preços dos combustíveis, com a defasagem ante preços internacionais estimada em 25%, segundo Sanchez.

Em evento do JPMorgan, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, reconheceu que a questão fiscal era o assunto do dia, mas reforçou que o BC não se move na velocidade do mercado e tem seu ritmo. “O fiscal é sempre um componente exógeno. Não devemos seguir tudo que o mercado e diz e precisamos ter a nossa própria opinião”, afirmou. Ao mesmo tempo, lembrou que o aumento da probabilidade de mudança do regime fiscal tem impacto nas projeções de inflação e, consequentemente, na política monetária.

O Ibovespa teve uma terça-feira que se assemelhou ao 8 de setembro, em que cedeu 3,78% no que foi a pior perda do índice desde 8 de março (-3,98%), quando o mercado começava a colocar no preço a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Da ameaça de ruptura institucional nos discursos de 7 de setembro à solução para se tornar viável eleitoralmente em 2022 contra Lula, o caminho antevisto pelo presidente Jair Bolsonaro e pela ala política do governo parece ser a flexibilização do limite de gastos, com solução “extra teto” para acomodar parte do volume de recursos destinados ao Auxílio Brasil.

Contudo, o anúncio oficial do novo programa social, que havia sido programado para as 17 horas desta terça-feira, acabou sendo cancelado de última hora sem maiores explicações, retirando parte da pressão sobre os ativos brasileiros vista desde cedo.

Com dólar a R$ 5,61 na máxima do dia e pressão na curva de juros, o Ibovespa nem teve como mirar nesta terça-feira o céu azul do exterior, com o S&P 500 se reaproximando aos poucos de máxima histórica, embalado pela temporada positiva de resultados trimestrais nos Estados Unidos.

Aqui, pressionado pela aguda percepção de risco fiscal, que pode colocar em questão a lealdade de parte da equipe econômica à agenda de reeleição, com rumores sobre possíveis baixas no quadro técnico, a referência da B3 chegou a mostrar perda de 3,92% no pior momento da tarde, aos 109.947,21 pontos, mas rapidamente recuperou o nível de 110 mil e mesmo o de 111 mil pontos ao se confirmar o cancelamento do anúncio.

Ao final, o Ibovespa colheu perda de 3,28%, aos 110.672,76 pontos, saindo de máxima, na abertura, a 114.422,23 pontos, com variação de 4.475,82 pontos entre o pico e o piso do dia. Na semana, o índice tem perda de 3,47%, anulando os ganhos que haviam se acumulado ao longo de outubro, agora transformados em perda de 0,28% no mês, estendendo a série negativa iniciada ainda em julho.

Desde o intervalo entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, o Ibovespa não acumula quatro perdas mensais consecutivas. No ano, as perdas voltam agora para 7,01%, com o Ibovespa no encerramento desta terça no menor nível desde 7 de outubro (110.585,43 pontos). O giro desta terça-feira foi de R$ 36,8 bilhões.

“Brasília parece ter encontrado a chave do cofre. O mercado está preocupado com a falta de disciplina para manter o teto ou, se realmente passar disso, que as despesas ‘extra teto’ com o auxílio não fiquem muito além dos R$ 30 bilhões indicados o correspondente a R$ 100 de cada R$ 400 a serem concedidos aos beneficiários em 2022”, diz Scott Hodgson, gestor de renda variável na Galapagos Capital, acrescentando que o valor de R$ 400 ressurgiu sem aviso prévio, como uma “fênix renascida das cinzas”. “A conjuntura é desafiadora, com inflação em alta, real fraco, juros subindo, e um ano de 2022 que será complicado, com eleição”, diz o gestor, observando que o interesse estrangeiro por Brasil mostrava alguma recuperação nas últimas semanas, e agora deve voltar a indicar cautela.

“A cena política pesou forte no mercado brasileiro: juros futuros disparando, com a parte mais curta (da curva) projetando Selic próxima da faixa de 10% no ano que vem – sem falar do dólar retornando para R$ 5,60”, diz Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora. “Crescente risco fiscal, fraco crescimento e juros altos” são uma combinação “nada atraente”, que “justifica a forte queda do mercado”, acrescenta o analista.

Entre as ações de maior liquidez, mesmo com o desempenho positivo dos preços da commodity na sessão, Petrobras puxou a fila de perdas, com a PN em queda de 4,89% e a ON, de 4,37% no fechamento, enquanto Vale ON mostrava perda de 1,15%, as siderúrgicas, de até 3,05% (Usiminas PNA), e as de grandes bancos chegavam a 4,91% (BB ON), refletindo a aversão ao risco fiscal que se impôs desde cedo na sessão. Apenas uma ação da carteira teórica conseguiu se desgarrar do mal-estar geral: Getnet (+17,88%), que havia estreado nesta terça tanto na B3 como no Ibovespa. Na ponta negativa do índice, Azul (-10,36%), Cielo (-9,20%) e Méliuz (-8,47%).