Família com chefes negros sobrevivem com metade do gasto de chefiada por brancos

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Atualizado há 3 anos

As famílias chefiadas por negros no País vivem com praticamente metade do total despendido pelas famílias que têm como referência uma pessoa branca. O fenômeno inclui gastos essenciais, como alimentação, moradia e acesso à saúde. Os dados são da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Perfil das Despesas no Brasil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira, 25.

As famílias brasileiras tinham uma despesa média total per capita de R$ 1.667,90 em 2018. No entanto, entre as famílias que tinham uma pessoa branca como referência (alguém que pague ao menos uma das contas da casa) esse valor subia a R$ 2.279,19. Por outro lado, a despesa per capita nas famílias chefiadas por negros ou pardos alcançava somente 53% desse valor: R$ 1.207,11.

O cálculo considera as despesas monetárias, que foram efetivamente pagas com recursos financeiros, mas também as não monetárias, que incluem o consumo de bens e serviços públicos como educação e saúde, de doações e da produção própria de alimentos, por exemplo.

A diferença nas despesas era considerável mesmo nos gastos essenciais. O gasto per capita com alimentação das famílias com chefes brancos era de R$ 269,44 ante R$ 181,60 entre as famílias com chefes negros. Na habitação, a despesa entre os brancos alcançava R$ 644,31, ante R$ 330,72 entre os negros. O mesmo ocorria no dispêndio com assistência à saúde, com um gasto per capita de R$ 183,94 entre os brancos ante R$ 94,99 entre os negros.

Na média nacional, as despesas correntes consumiam R$ 1.554,06, enquanto uma fatia de R$ 63,61 era destinada a investimentos e R$ 50,22 iam para pagamento de dívidas. Nas famílias lideradas por brancos, a verba de R$ 103,46 per capita destinada a aumentar o patrimônio superava em mais de três vezes o montante obtido pelos negros para esta mesma finalidade, apenas R$ 33,27.

As famílias chefiadas por negros têm menos renda disponível que as lideradas por brancos em todos os estratos sociais, seja entre os mais pobres, seja entre os mais ricos. A Renda Disponível Familiar Per Capita (RDFPC) de famílias que têm como referência uma pessoa branca era de R$ 2.241,80, quase o dobro dos R$ 1.206,76 obtidos pelas famílias lideradas por pessoas pretas ou pardas.

Entre os 5% mais pobres, as famílias brancas conseguiam uma renda de R$ 245,82, ante R$ 141,98 das famílias negras. A tendência permanece a mesma em todas as faixas de renda, até a mais elevada, ou seja, os negros têm menos renda que os brancos mesmo quando alcançam o estrato mais rico. Entre o 1% mais rico da população brasileira, as famílias chefiadas por brancos tinham uma renda per capita disponível de R$ 23.414,51, enquanto as famílias que tinham como referência uma pessoa negra possuíam menos da metade desse valor, R$ 9.734,79.

A RDFPC média no Brasil foi de R$ 1.650,78 no ano de 2018, sendo que 23% desse montante, R$ 379,97, foram adquiridos de forma não monetária, o que inclui os valores de bens e serviços providos pelo governo, instituições e outras famílias, além da produção para próprio consumo.

A renda não monetária, como a proporcionada pelos serviços de saúde e educação públicos e pela produção de alimentos, é fundamental para a sobrevivência dos brasileiros mais pobres. Entre os 10% mais pobres, 42,5% da renda familiar per capita disponível é não monetária.

A renda mínima per capita apontada pelas próprias famílias como necessária para chegar até o fim do mês ficou em R$1.331,57 em 2018, o equivalente a 80,7% da renda disponível. Entre os 10% mais pobres, porém, a renda mínima era de R$ 470,29, quase o dobro dos R$ 244,62 disponíveis.

O IBGE lembra que os 10% mais ricos concentram três vezes mais renda do que os 40% mais pobres juntos. Enquanto os 40% mais pobres contribuem com R$ 215,30 para a média da Renda Disponível Familiar Per Capita, os 10% mais ricos respondem por uma fatia de R$ 629,37. A renda disponível dos 10% mais ricos era de R$ 6.294,83, enquanto a renda dos 40% mais pobres somava R$ 538,22.

Mais de 25 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza no ano de 2018. Quase 3 milhões de pessoas sobreviviam na miséria. Segundo o IBGE, 77,8% da pobreza estava concentrada em famílias que têm como referência uma pessoa preta ou parda.

A pesquisa do IBGE considera a classificação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a pobreza extrema, ou seja, pessoas com renda disponível familiar per capita inferior a US$ 1,90 por dia, na conversão pelo método de “paridade de poder de compra” (PPC), que não leva em conta a cotação da taxa de câmbio, mas sim o valor necessário para comprar a mesma quantidade de bens e serviços no mercado interno de cada país em comparação com o mercado interno dos Estados Unidos.

A população que vive abaixo da linha de pobreza é aquela com renda disponível de US$ 5,50 por dia também na conversão pelo método de PPC.

A avaliação de pobreza segundo esses critérios – considerando toda a renda disponível, inclusive a não monetária – mostrou que 1,4% da população vivia na extrema pobreza, o equivalente a 2,899 milhões de pessoas, e 12,1% estavam abaixo da linha de pobreza, 25,053 milhões de brasileiros.

Ainda que grave, o resultado é menos agudo do que de outras pesquisas que contabilizam apenas rendimentos monetários, uma vez que o acesso a doações, produção própria de alimentos e serviços públicos como educação e saúde, por exemplo, são contabilizados como renda disponível, com peso importante especialmente para a sobrevivência das famílias mais pobres.

O levantamento do IBGE mostra que cerca de 48,7 milhões de pessoas em todo o País não vivem em moradias plenamente adequadas, o equivalente a 23,5% de toda a população brasileira. Dois terços dessas pessoas moram na área urbana.

Também houve diferença considerando a cor ou raça da pessoa de referência do domicílio: quase 75% dos que viviam com ao menos um tipo de inadequação no domicílio tinham como referência da família uma pessoa negra.

A pesquisa considerou como inadequados: parede sem revestimento ou de madeira aproveitada; cobertura em zinco ou alumínio; piso de cimento ou terra; ausência de banheiro exclusivo.

Em todo o Brasil, 79 milhões de pessoas vivem em domicílios em áreas afetadas por violência ou vandalismo, segundo o IBGE, o equivalente a 38,2% da população brasileira. A região com menor proporção de famílias com esse tipo de queixa foi o Sul, com 29,4% da população local sob essas condições, seguido pelo Sul.