90 ANOS: “Malta é minha mãe e o Brasil, minha esposa”, define Dom Walter

Bispo emérito da diocese de União da Vitória comemora nove décadas de vida e em entrevista, relembra sua infância e suas experiências de fé

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Atualizado há 5 anos

Dom Walter completa 90 anos no final de semana (Fotos: Mariana Honesko).
Dom Walter completa 90 anos no final de semana (Fotos: Mariana Honesko).

A boca narra histórias de um tempo dissolvido. A memória, guarda narrativas únicas, vividas por quem soube aproveitar a infância, fazer as escolhas certas e finalmente, usufruir de uma vida plena. Essa é a composição de Dom Walter Michael Ebejer, bispo emérito da diocese de União da Vitória há 12 anos. No sábado, 3, o religioso completa 90 anos de idade, a maioria deles, dedicados à vida sacerdotal, encerrados na região do Vale do Iguaçu, mas iniciada há muito tempo, ainda na adolescência, quando o menino Walter, ouviu o chamado.

Esse ouvir foi literal, não um sussurro ou intuição. Foi algo quase palpável. “Eu entrei com 16 anos. Fiquei três anos no convento em Malta e depois de mais três, fui enviado para a Inglaterra. Em 1954 fui ordenado padre”, conta. “Eu ouvia o chamado. Tentava tirar da cabeça. Mas eu ouvia uma voz que dizia: ‘você vai ser padre’. Não era uma voz humana, mas eu ouvia tão forte que nem estudar eu conseguia. Quando depois eu encontrei um seminarista, já falecido, disse que eu tinha qualidades para ser padre. Mas eu? A vocação era tão forte, não sei de quem era, eu ouvia. Era o meu chamado”.

Anel que simboliza a vida do religioso como bispo
Anel que simboliza a vida do religioso como bispo

A voz insistia, por um, dois dias, várias semanas. Não teve outro jeito: Walter entraria para a vida religiosa. “Aceitei, nunca rejeitei a ideia. Eu era menino, ia na missa todos os dias. Era comum para mim. Mas não queria ser padre”, sorri. “Mudei e desde aquela vez, nunca tirei da minha cabeça. Nunca tive tentação para sair do caminho”. Walter cresceu, escapuliu das meninas, fugiu dos convites para os bailes e jamais tropeçou. Em casa, recebeu apoio da família: da mãe, professora de Matemática; do pai, diretor de escola e dos outros seis irmãos, todos intelectuais e com uma vida religiosa ampla.

Depois da formação sacerdotal, Dom Walter recebeu o Brasil como missão. “Não sou casado, então, Malta é minha mãe e o Brasil, minha esposa”, define, como poeta. A ilha está agora apenas no coração do religioso. Na sua última viagem, em agosto do ano passado, ele se despediu do arquipélago, da sua cidade, de tudo o que viveu por lá. “Temos templos lá de muito antes de Cristo. E não um: uma dúzia. É uma espécie de ilha sagrada. Fui com o padre Silvano (pároco da Catedral). Levei ele lá, mostrei o que temos”, conta.

No País, muito antes de assumir a diocese (em 1977) viveu outras experiências. Sobre elas, escreveu livros, como a popular obra, ‘Eu, meu Deus e minha mula’. Uma das narrativas lembradas por ele com carinho e bom humor, é sobre o dia em que quase morreu, atolado na lama. Com ele, apenas um cavalinho e todo o sertão de Goiás. “O cavalo afundava na lama. Era profundo, estávamos afundando, não tinha onde segurar. Tirei as alforjas, joguei do lado e vi que tinha uma curva no mato. Deus me ajudou. Pulei com a batina para cima, por cima do pescoço do cavalo. Me salvei e quando olhei, vi o cavalo se debatendo com a cabecinha dele para fora do barro. Perder o cavalo no sertão…. você imagina. No sertão tem que ter cavalo. Consegui puxar ele. Ele se ajudou e salvei o cavalo”, lembra. “A gente parecia estatua de barro”, risos.

Nas paredes de sua casa, lembranças de suas conquistas: entre outras atividades, religioso ajudou na fundação da Alvi
Nas paredes de sua casa, lembranças de suas conquistas: entre outras atividades, religioso ajudou na fundação da Alvi
Infância feliz

“A felicidade brota de dentro. Não preciso de muito para ser feliz”. Com essa mensagem tatuada no coração, Dom Walter lembra de sua infância, das estripulias em cima dos patins (brinquedo que praticamente substitui seus pés na juventude), das árvores escaladas e dos puxões de orelhas que levou da mãe por sujar os tapetes de casa com a areia branca que cobria o chão das ruas de sua cidade.

“Eu ouvia uma voz que dizia: ‘você vai ser padre’. Não era uma voz humana, mas eu ouvia tão forte que nem estudar eu conseguira”

Essa mensagem, interna, também justifica seus rompantes. “Não sou bravo contra os outros. É contra a situação. Fico bravo e já passa. Sou alegre por natureza. Não sei se não vou chegar no momento de morrer e ficar brincando”, sorri.  Aliás, sobre a morte, Dom Walter não teme. Fala sobre o assunto com leveza e admite que desde seus 60 anos, nunca deixou de pensar na morte, pelo menos uma vez ao dia. “Dom Agenor, vinte e tantos anos mais jovem que eu, passou na frente e faleceu antes. Estavam arrumando aquilo (o túmulo) com tanto carinho e perdi”, brinca.

“A felicidade brota de dentro. Não preciso de muito para ser feliz”

Ao olhar para trás, o religioso garante que viveu plenamente. Sem arrependimentos, afirma ter feito tudo o que foi possível. Não espera pelo fim, mas quando chegar, irá em paz.  “Eu era danado. Trepava em arvores, me machucava, brigava com as outras crianças e já resolvia. Coisas normais. Vivi uma vida muito alegre. Ia atrás de bola. Andava muito de patins. Gostava demais. Eu ficava com os patins o dia todo. Só tirava para ir à missa e já colava de volta. Almoçava com os patins. Tomava café com eles. Não só isso: eu subia degraus de uns 17 centímetros com os patins. Subia e descia, sem me segurar. Nunca cai”, risos. “Eu gostava de tomar riscos. Arrisquei muito na vida”.

“Eu ficava com os patins o dia todo. Só tirava para ir à missa e já colava de volta. Almoçava com os patins. Tomava café com patins”

Dom Walter é cofundador da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), autor de várias obras (inclusive em inglês) e foi nomeado bispo no dia da instalação da diocese de União da Vitória. Neste ano, o religioso completa ainda 72 anos de profissão religiosa e 42 como bispo.

BISPO EMÉRITO

É o nome que se dá quando o religioso deixa de ser titular. É como se o bispo estivesse aposentado, embora possa desempenhar algumas atividades na comunidade. Dom Walter é emérito há 12 anos

 

Malta

É um arquipélago, que fica na região central do Mediterrâneo, entre a Sicília e a costa do Norte da África. O País, terra natal de Dom Walter, é conhecido por locais históricos relacionados a uma sucessão de governantes, entre eles os romanos, os mouros, a Ordem Soberana e Militar de Malta, os franceses e os britânicos. Malta conta com grande número de fortalezas, templos megalíticos e o Hipogeu de Hal Saflieni, um complexo subterrâneo de corredores e câmaras funerárias que data aproximadamente de quatro mil Antes de Cristo.

HOMENAGEM

No sábado, 3, a Diocese de União da Vitória celebra o aniversário do religioso com missa especial, às 10h30, na Catedral, seguida de um almoço festivo no salão da igreja. O almoço será por adesão, com cartões à venda nas paróquias de União da Vitória.

A celebração da missa, que contará com homenagens ao bispo emérito, será concelebrada por diversos padres e diáconos, além da presença do atual bispo diocesano, Dom Walter Jorge Pinto. Outras informações sobre os eventos, na Catedral de União da Vitória e pelo telefone, 3522 1098.

Um jardim só seu

Dom Walter conta que sempre sonhou com uma casa bonita e com um jardim na frente dela, no terreno. Em Malta, o alto custo dos terrenos, jamais permitiam o “luxo”. Quando recebeu a reportagem, o religioso ficou de frente para o seu pequeno paraíso. “Sempre sonhei com um lugar exatamente assim”, disse. A casa do religioso fica no bairro Jardim Brasília, em Porto União.