É DE PAPELÃO, JORGE?

Artesão de Porto União impressiona com suas réplicas detalhadíssimas de casas e prédios utilizando reciclável. O ferroviário aposentado não visa lucro, mas sim incentiva a utilização de materiais como forma de desenvolvimento sustentável e inclusivo

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Atualizado há 6 meses

Para cada papelão utilizado, uma nova árvore será plantada.

Há mais de uma década Luiz Jorge Uliniki, ferroviário aposentado em Porto União, cidade que fica a 430 quilômetros de Florianópolis (SC), trocou os trilhos pelo som da tesoura em contanto diferentes tipos de papel e das rasuras do lápis. As viagens, que antes eram feitas dia sim e outro também na função dele como maquinista, atualmente também acontecem, porém com um  diferencial: através da imaginação.

Luiz Jorge é um homem inquieto, o que explica o seu porte franzino.

É falante, o que o torna ainda mais próximo das pessoas.

Desde que ele deixou a estação de trem não parou um dia sequer. A notícia da aposentadoria na Rede Ferroviária Federal o fez repensar em novas rotas em sua vida.

“Por um período colaborei como maquinista ferroviário em trens de turismo na catarinense Piratuba e fui voluntário no trem turístico junto a Associação Amigos do Trem em Porto União. Neste ínterim coletei informações e dados sobre a ferrovia, o que me impulsionou um novo labor. Passei em 1999 a confeccionar materiais esculpidos na madeira: trens, estações, equipamentos, carros, entre outros. Um século de história sendo representado por meio da arte”.

(Fotos: Wannessa Stenzel)

O artesanato em madeira ocupou 14 dos 67 anos de idade de Luiz Jorge.

“Fui diagnosticado com tendinite, causado por esforços excessivos e repetitivos, e tive que parar com a arte”, diz.

A vida pode até ter pedido um tempo à ele para recuperar a sua saúde, porém o intervalo foi curto. Luiz Jorge fez uma nova descoberta e, desde 2020, passou a dar vida ao artesanato sustentável e inclusivo.

“Descobri no papelão ondulado uma oportunidade para manter viva e valorizar a história de Porto União e da paranaense União da Vitória. O artesanato para mim é uma terapia; ela requer criatividade, bom humor e  tranquilidade”, pontua.

(Fotos: Wannessa Stenzel)

CARTONAGEM:

TRANSFORMANDO PAPELÃO EM ARTE SUSTENTÁVEL

Era meio de semana e chovia bastante.

Luiz Jorge pensava na vida.

Com as horas passando e a inquietute no vai e vem ele observou um pedaço de papelão sob a mesinha de madeira em um cômodo no segundo andar da sua casa, que fica na Avenida dos Ferroviários, a conhecida Perimetral, em Porto União.

“Esse papelão aí pode virar uma casinha!”, espantou-se.

O primeiro imóvel por ele confeccionado ficou pronto em algumas horas e o resultado agradou.

“Arrasei”, disse.

A técnica utilizada por ele se chama cartonagem.

“É um artesanato feito com papelão e outros tipos de papéis, possibilitando a criação de diversas peças. O papelão, por contar com uma gramatura mais grossa, torna as peças produzidas mais resistentes e duradouras. A ideia é realmente eternizar. Desde então não repito o mesmo imóvel porque nunca fica igual e isso me frustra”.  

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), dvivulgado em 2021, mostra que o envolvimento com a arte pode ser benéfico para a saúde mental e física, auxiliando inclusive nos tratamentos de diversas doenças. Segundo Luiz Jorge o trabalho manual tem lhe causado bem estar.

“Eu não curto monotonia e quero cuidar da minha memória. Busco gerir bem o meu tempo com a família e aprendendo sempre algo novo, como proporcionar um acervo cultural à comunidade”.

A dedicação do artista é inspirada pela sua própria habilidade de criação de miniaturas, porém desta vez, retratando imóveis históricos de Porto União e União da Vitória e das cidades da região Sul do Paraná e do Planalto Norte Catarinense.

Para que tudo fique impecável, o autodidata necessitou de informações sobre a cartonagem, arquitetura e pinturas. Atualmente Luiz Jorge possui um acervo cultural particular.

“São miniaturas detalhadíssimas de um material que seria descartado (papelão) não é? A iniciativa representam aspecto positivo econômico, social e cultural das nossas cidades”.  

Embora tenha recebido inúmeros convites para exposições externas dos seus trabalhos, neste atual momento o artista prefere a discrição. “Eu quero que conheçam o meu trabalho e se inspirem com ele. Decidi então apresentar tudo o que eu faço na versão online. Busquei no Facebook uma maneira acessível para que os entusiastas da história e da arte fiquem próximos do meu trabalho. Eu percebi que algumas pessoas desconhecem sobre quais eram os prédios antigos nas nossas cidades. Então eu os resgatei por meio de fotos e livros e cá estão”.

RELAÇÃO ENTRE ARTE E A SUSTENTABILIDADE

A professora e escritora em União da Vitória, Ivanira Tereza Dias Olbertz, no livro Entrevistando a Arte, cita que Luiz Jorge é um entusiasta pela história de sua cidade natal. Segundo ela, que também é presidente da Associação dos Artistas Plásticos do Vale do Iguaçu, praticamente todos nós já compramos – pelo menos uma vez na vida – uma mercadoria vinda de um artesão.

Para Luiz Jorge o seu trabalho busca estreitar a relação entre a arte e a sustentabilidade.

“Além de proporcionar às pessoas uma volta ao passado e cultivar a sua história, também é necessário refletir que o papelão vem da árvore e, é por isso que eu disponho de um espaço na minha casa destinado à elas (árvores), pensando também na arborização das ruas próximas à minha casa. É preciso mudar o pensamento de hoje e reforçarmos que o homem não pode ficar dependente da máquina, pois ela não têm sentimentos e com isso o ser humano pode esfriar. A proximidade com a natureza é essencial e quando as nossas mãos são usadas para criar e recriar, podemos sim, fazê-la com recursos mais conscientes”.

O artesão acredita que é possível trabalhar nessa área e obter êxito, com a aquisição de matéria-prima de baixo custo para itens feitos a mão.

“Eu não sei fazer preço para o que eu faço. Quando me perguntam quanto é, eu fico sem graça, olho de um lado para o outro e fica por isso. O que eu recebo eu invisto em cola, guachê, tesoura, estilete e papel sulfite. Uma casa ou um prédio levam em média uma semana para ficarem prontos, a depender das condições climáticas, que influenciam na secagem do material”.

O artista dedicou um espaço na sua casa para o artesanato.

“Aqui eu guardo todo o papelão que será utilizado para a confecção dos imóveis das nossas cidades. Alguns papelões foram adquiridos em supermercados e outros foram doados pelo comércio local. Tenho bastante papelão; haja visto que eu não utilizo sacolas plásticas”, acrescenta.

Luiz Jorge é reconhecido na cidade onde mora e também fora do País. No entanto, o sustento de casa vem da sua aposentadoria, pois do artesanato ele espera outro retorno.

 

OUÇA A REPORTAGEM ESPECIAL: 

Vozes e produção: 

Gabrielly Cesco e Wannessa Stenzel

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