MP pede investigação de políticos e funcionários do IAP

Escutas telefônicas mostram supostas irregularidades no IAP de União da Vitória e apontam possível corrupção de políticos locais

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Atualizado há 7 anos

Uma bomba-relógio está pronta para explodir. O Ministério Público (MP) de União da Vitória denunciou em dois processos paralelos a participação de funcionários do IAP em um suposto esquema de corrupção ativa e passiva na liberação de licenças ambientais. O esquema, segundo o Gaeco que fez escutas telefônicas na repartição, envolve também empresas e engenheiros agrônomos do Vale do Iguaçu.

Em outra linha de investigação, a promotoria aponta tráfico de influência e supostos pagamentos de propina na votação das contas de 2006, do então prefeito Hussein Bakri e negociações para influenciar na composição da nova mesa diretora da Câmara de Vereadores de União da Vitória recém empossada.

Escutas telefônicas

GrXXficoX-XGaecoX01Após depurar as interceptações, o MP solicitou à 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de União da Vitória, uma investigação adicional para apurar o que classifica como “Organização Criminosa”. O Promotor Público, Vitor Hugo Nicastro Honesko, do Gaeco de Guarapuava, para embasar o pedido de investigação, anexou autos de escutas telefônicas feitas pelo órgão, instaurando assim o Procedimento Investigatório Criminal nº MPPR-0059.15.000697-7, cujo objeto é o de “apurar a existência de eventual organização criminosa especializada em fraudar autorizações ambientais para corte de árvores, com a participação direta de agentes públicos lotados no Instituto Ambiental do Paraná (IAP) de União da Vitória”.

No pedido de investigação, o MP pediu a quebra de sigilo fiscal e bancário de 11 pessoas, do Escritório do IAP de União da Vitória e profissionais ligados ao setor. Foram relacionados nos pedidos: André Luis Aleixo, Antônio Carlos Chicuto, Aramis Ayres Domit, Fioravante Iran Wolf, Luiz Antônio Sonalio, Márcio Alexsandro Sonalio, Miguel Junior Pawlowski,  Nelson Cleto Junior, Nézio Vidi, Rosangela Maria Kretzer Franck e Ronaldo Lazier.

Indícios de corrupção

O Gaeco e o MP de União da Vitória teriam encontrado em uma dessas interceptações, o surgimento de graves indícios da prática do crime de corrupção com o objetivo de influenciar nos pareceres técnicos da servidora Rosangela Maria Kretzer para determinadas empresas, intermediado pelo engenheiro Iran Fioravante Wolf, como mostra a parte da conversação n° 67613061.

Diálogo

– Iran: E depois eu preciso só pergunta pra você por telefone eu não quero.

– Rose: Sim.

– Iran: É aquela ESSÊNCIA.

– Rose: Essência.

– Iran: Daquela empresa lá de General Carneiro se lembra?

– Rose: Hum, deixa eu vê, essência, deixa eu lembra quem é que é essência de General Carneiro.

– Iran: Não, ESSÊNCIA é PERFUME que você TINHA PEDIDO pro

PROPRIETÁRIO, você lembra.

– Rose: Não nego, não tô sabendo, não tô lembrando.

– Iran: AQUELA MADEIREIRA QUE A GENTE LIBEROU LÁ.

– Rose: Ahá.

– Iran: Que VOCÊ FEZ LICENÇA lá do RAMPÃO.

– Rose: A claro, claro, claro aquela lá no Iratizinho lá..

– Iran: Isso TEM UMA ESSÊNCIA NAQUILO.

– Rose: Tem uma essência sim, sim, sim.

– Iran: TEM UM PERFUME que VOCÊ GANHOU.

– Rose: Ahá, MAIS AONDE É QUE TÁ ESSE PERFUME.

– Iran: Depois você tem que me dizê a marca pra eu ir pegá.

– Rose: É no Boticario.

– Iran: Qual que é?

– Rose: Boticario e chama-se ACORDE.

– Iran: A tá.

– Rose: Tá, ACORDE.

– Iran: Ele me falou que é pra mim pega e depois ACERTA.

– Rose: Ai que coisa boa.

– Iran: (risos) Era isso que era o objetivo do assunto.

– Rose: Então tá bão, então ta bão.

– Iran: Você veja como que eu…

– Rose: Você é porreta.

Esquema envolve engenheiros e funcionários públicos

Outras interceptações foram anexadas envolvendo funcionários e engenheiros agrônomos que trabalham na facilitação de licenças para empresas da região, tanto na área ambiental como na liberação de áreas de terra destinadas à empreendimentos imobiliários. A farta documentação do Gaeco apresenta ainda uma sequência ampla de outros procedimentos de conduta duvidosa. Assim, também foi ajuizada uma ação com 17 investigados e uma denúncia criminal também foi preparada para ser apresentada na justiça.

Em outro trecho do pedido de investigação, a transcrição refere-se ao servidor público do IAP, Luiz Antônio Sonalio. Foram interceptadas conversações onde o servidor, juntamente com seu filho, Márcio Alexsandro Sonalio, burlariam diversas normas ambientais para beneficiar clientes. Pai e filho, seriam “associados” a uma empresa que elabora projetos ambientais. A apuração por meio do sistema Infoseg, mostrou que Márcio é sócio da Empresa de Conservação de Florestas Ltda (Encoflor), e proprietário da empresa Celmara Comercial Ltda.

MP quer apurar participação do chefe do IAP

Em outra sequencia da conversa telefônica interceptada (n° 68362112), do dia no dia 22 de abril de 2015, às 14h13, Márcio (Sonalio) cita André Aleixo (Chefe do IAP) e diz que ele repassou informações sobre um empresário interessado em obter uma licença ambiental para extração de areia. Aleixo, teria solicitado que esta informação não fosse divulgada para Nelson (servidor do IAP) caso contrario este passaria para o “homem dele”, que seria o engenheiro Iran Fioravante Wolf. Segundo o MP e o Gaeco, isso demonstra em tese que André Aleixo tinha pleno conhecimento das irregularidades praticadas dentro do IAP pelos servidores Nelson e Sonalio, motivo pelo qual ele é citado neste fato.

Chefe do IAP teria conhecimento dos fatos

Segundo a conversação citada (gravada sob o nº 68362112), o Chefe do Escritório do IAP de União da Vitória, André Luis Aleixo, além de ter conhecimento dos supostos delitos referidos, também indica empresários para o servidor Sonálio e seu filho Márcio, apontando indícios de que poderia também o chefe do IAP auferir, em tese, supostas vantagens indevidas.

Aleixo fala

À reportagem do Jornal O Comércio, o chefe do IAP afirma que continua no cargo, trabalhando normalmente. “Não fui intimado, ou citado nos fatos. Só tive o conhecimento pelo que está sendo publicado. Sem ter acesso ao processo não tenho como me manifestar. Quando eu tomar conhecimento, posso fazer alguma manifestação. Se tem uma investigação, a gente vai colaborar com a Justiça”, limitou-se a falar.

Ouça a declaração na íntegra

 

MP pede investigações envolvendo políticos locais

Hussein Bakri é acusado de improbidade. Com ele, outras cinco pessoas são alvos de ação de um suposto esquema de propina

GrXXficoX-XGaecoX02Uma outra linha de investigação foi aberta, ainda dentro das interceptações telefônicas do Gaeco, desta vez envolvendo políticos, como o ex-prefeito Hussein Bakri (hoje deputado estadual), os vereadores Mário da caixa, Ziliotto Daldin e Ricardo Adriano Sass. Dos três, o único com mandato eletivo atualmente é Ricardo Sass. Um outro documento do Gaeco chamado “Relatório de interceptação telefônica 0002”, se refere ao sigilo de dois políticos e um advogado. O assunto, segundo o Gaeco e o MP de União da Vitória, envolvem “negociatas e promessas de pagamento de propina”.  O processo 0011144-54.2016.8.16.0174, denominado Operação Corte I, mostra a íntegra das escutas telefônicas, que envolvem supostas negociações irregulares a respeito do Julgamento das contas do exercício de 2006, pela Câmara de Vereadores de União da Vitória.

Contas de 2006

No relatório, o MP cita que em gravação anterior, teria sido citada propina para que Ziliotto Daldin colocasse as contas para a votação no dia 10. Em um trecho da conversa entre o advogado Thyago Pigatto Caus e o Vereador (reeleito) Ricardo Adriano Sass (folhas 2-5, Gaeco) o MP aponta indícios de corrupção no processo de votação das contas de Hussein Bakri, nas folhas 4 e 5 do relatório do Gaeco com a exposição dos diálogos.

Diálogos

– Thyago: Daí como é que foi? Votaram o parecer (das contas)

– Mário: Não, só deu entrada no parecer e marcou reunião pra entrada do parecer e marca já a reunião e vota o parecer tudo no mesmo dia, a aprovação é dia 19 pra fazer a votação.

– Thyago: segunda-feira?

– Mario. Segunda-feira.

-Thyago: Tá marcado então?

– Mário Tá marcado segunda-feira (19).

– Thyago: Aiiii, vai dar certo né, cabeção?!?

– Mário: Ah não, isso aí tá certo já, você não tenha nenhuma dúvida, eu só quero ver se consigo todos os votos, ainda tenho a semana para ainda conseguir.

– Thyago: Como é que está o Daldin?

– Mário: Pois olha, o Daldin é aquele negócio né, hoje até perguntou pra mim a questão dele ano que vem. E eu falei: “olha o que Hussein (bakri) prometeu pra você é coisa sua e dele”. Eu acho que sem problema algum, e ele falou “pô, senão eu to Fu…

-Thyago: Tá o que?

– Mário: Não, ele tá fu…, né?

-Thyago: só que…

– Mário: ele!

– Thyago: Há o combinado com ele.

– Mário: O combinado, o combinado é para depois e tal.

– Thyago: Não, tá combinado. Não é o Núcleo né?

– Mário: Não sei , qualquer coisa para ele ou a mulher dele.

– Thyago: Tá bom, fechou, fechou…

– Mário: Fechou, isso é outra coisa.

– Thyago: Fale pra ele o seguinte: ” Quem manda disse que fechou”

– Mario…

Thyago: É comigo, diga que fechou.

Tráfico de influência e corrupção

Os relatos, segundo o Gaeco, teriam também o objetivo de influenciar na composição da mesa diretora da Câmara de Vereadores, que se iniciou no dia 1º de janeiro. É o que mostra as folhas 2 e 3 dos autos da escuta telefônica, onde trocam telefonemas, o advogado  Thyago Pigatto Caus, genro e coordenador político do deputado Hussein Bakri. Ricardo Sass e Mário da Caixa. O objetivo seria influenciar o resultado da votação de 1º de janeiro, o que não se comprovou depois que a manobra não deu certo.

Diálogos

– Ricardo: Eu te liguei pra vê se houve mais alguma coisinha tua com o Jair (Brugnago), se saiu alguma coisa.

– Thyago: Lacrado, lacrado.

– Ricardo: É?

– Thyago: Lacradinho, você na vice.

– Ricardo: É, temo que ve se ele conseguiu os votos que precisava.

– Thyago: Sim vamos fazer semana que vem. Hoje em Curitiba o Traiano (presidente do PSDB) mandou determinação do PSDB para votar nele.

– Ricardo. Hmmm, opa, que tal?!?!

– Thyago: É forte o negócio, fomos adiante, cara.

– Ricardo: É…

– Thyago: É, não, mas bem ‘mocadinho’ assim, sabe…

– Ricardo: Não, fazer uma reuniãozinha para ele cumprir né, o combinado e tudo.

– Thyago: Ah, sim. Nó vamos, nós combinamos que não nessa semana, na semana que vem…

O outro lado

Os citados no processo do MP foram procurados pela reportagem do Jornal O Comércio. Apenas o vereador, Zilioto Daldin (PSB), não foi encontrado até o final da edição. Veja o que disseram em suas defesas:

Hussein Bakri

O deputado falou a reportagem que não houve nenhum acordo visando a votação das contas de sua gestão como prefeito de União da Vitória. Hussein afirma que houve uma decisão do Tribunal de Justiça para que as contas fossem aprovadas. “Primeiro lugar é um direito que tenho, como qualquer cidadão, pois há dez anos estão segurando essas contas. Segundo, existe uma determinação do Tribunal de Justiça de que no mês de setembro a Câmara votasse as contas. Então porque iria fazer algum tipo de manobra, já que possuo uma decisão da justiça?”, disse.

Ouça a declaração na íntegra

 

Thyago Pigatto Caus

O advogado, também citado no inquérito, destacou a reportagem de que vai esperar ter acesso aos documentos das investigações, para que posteriormente se pronuncie a respeito do caso. “Neste caso, com relação a matéria noticiada, em que pese não haver sido citado em qualquer ação penal ou cível neste sentido, me reservarei ao direito de comentá-la, tão somente, tenha acesso oficial aos fatos denunciados. De antemão, afirmo que com relação às contas do deputado Hussein Bakri, isso já é matéria vencida, eis que o TCE já aprovou as mesmas e o TJ já obrigou a Câmara a iniciar o andamento das votações”, disse.

Mário da Caixa

O vereador nega qualquer possibilidade de formação de quadrilha, bem como o oferecimento de propina para o então presidente da Câmara de Vereador, Zilioto Daldin. Disse que foi “burrice” falar sobre o pagamento de propina. “Realmente, a partir de uma conversa que eu tive, numa falácia mesmo, até burrice, citei algumas coisas que não tinham acontecido, que não aconteceram e que jamais aconteciam, que era o caso de pagar propina para o ex-presidente da Câmara para que ele pudesse votar as contas do Hussein. Eu não fui notificado, indiciado, e saiu a publicação a nível municipal, que acabou sendo estadual e nacional, jogando o nome da gente como se fomos malfeitor. Nunca ofereci propina nem pra guarda”, falou. 

Ouça a declaração na íntegra

 

Ricardo Sass

Sass afirma que seu nome não está envolvido com nenhuma irregularidade. Ele lembra que foi afastado da sessão do dia 19 de dezembro, onde tramitava a prestação de contas do ex-prefeito Hussein Bakri. “Eu era o relator da Comissão de Finanças e Orçamento. Cumpri a ordem judicial, respeitando a determinação. Depois, tive minha posse, diplomação e hoje estou como vereador e não recebi mais nenhuma notificação do Judiciário. Não vejo motivo para o meu ter sido citado naquelas linhas”, disse. 

Ouça a declaração na íntegra

 

Zilioto Daldin

Procurado pela reportagem, ele não foi encontrado até o final da edição. Mas, em sua rede social, publicou um pequeno texto sobre a investigação. “As pessoas que me conhecem sabem de minha postura, não tenho nada a temer, estou a disposição da Justiça para qualquer esclarecimento”, diz parte da redação.

Uma nova operação Zelotes?

Outros envolvidos nos dois processos devem aparecer no decorrer das investigações. Pode ser uma operação parecida, relevadas as proporções à Operação Zelotes, deflagrada pela Polícia Federal do Brasil em março de 2015, para investigar um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais, órgão colegiado do Ministério da Fazenda, responsável por julgar os recursos administrativos de autuações contra empresas. Essa operação desnudou funcionários públicos e políticos, e desencadeou diversas outras operações, o que deve acontecer com a Corte I e subseqüentes. Novas investigações podem eclodir a qualquer momento.