PROBLEMA URBANO: Comportamento de cães segue hábitos humanos

Além da reprodução desassistida, números de animais de rua pode ser fruto de gestos nobres como o de alimentar bichos de rua

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Atualizado há 8 anos

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Animais de rua fazem parte do cotidiano do Vale do Iguaçu

Deixou de ser brincadeira há algum tempo aquela frase: “parece que ali tem mais bicho que gente”. Especialmente nos bairros mais humildes, a afirmação é uma constante. Mas, não é apenas lá. Hoje, centro e bairros convivem com animais de rua em um número crescente. Os cães são maioria. São cadelas, filhotes e animais idosos que convivem num ambiente urbano, em uma adaptação quase natural. E a culpa, na maioria dos casos, é dos humanos. E sempre foi assim, desde os tempos da caverna.

Em uma recente edição, o jornal The New York Times publicou a matéria “Vira-latas revelam características originais dos cães”. Em resumo, o que a reportagem quis mostrar é que os cachorros sempre rondaram os humanos, logo, tornando-se domésticos. E o porquê desse hábito? Porque nós, humanos, fazemos muita sujeira. “Os cachorros de rua dependem de lixo. Se a sociedade quer menos cachorros na rua, a solução é: menos lixo”, encerra o texto do tabloide americano.

Para quem trabalha dando atenção para estes peludinhos urbanos, porém, a solução não é tão simples. Eles entendem que não há muita opção já que muitos nascem na rua mesmo, outros fogem dos maus-tratos e ainda um grande número é abandonado – ou por serem velhos, idosos ou por terem “perdido a graça”.

Por isso, no Vale do Iguaçu, uma legião de voluntários trabalha movida apenas boa vontade. O amor pelos bichinhos mobiliza vários grupos e pessoas sozinhas mesmo, voluntárias, unidas pelo bem-estar animal. No final, o que se vê é uma rede de proteção ampla, entrosada e dona de uma comunicação rápida graças às redes sociais. Basta um clique ali, uma postagem aqui, e pronto: lá se constrói mais uma casinha, se consegue cobertores, uma castração de graça, um dono.

A professora Marlene Goulart é uma das idealistas da causa. O carinho pelos peludinhos garantiu sua colocação na prefeitura de União da Vitória. Entre outras ações, dentro do setor de Proteção Animal, conseguiu incluir a proteção e a tutela responsável no material didático cedido às escolas. Para Marlene é só assim, com educação, que o número de animais sem lar pode ser reduzido. “Eu sinto que animais perambulando abandonados pelas ruas das cidades doentes, magros, no cio são apenas um sintoma de uma sociedade doente”, desabafa.

Mas, na prática, a ferida é mais profunda e sai das páginas dos livros. Para a professora, o ideal é que a castração de mil animais por ano, no mínimo, ocorra. Então, os problemas começariam a diminuir. “Mas é a médio e longo prazo. Se isto não começar a ser feito, continuaremos “enxugando gelo” e os animais sofrendo nas ruas”, lamenta.

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Moradores de coração grande protegem quem vive fora dos portões de suas casas: em alguns bairros, casinhas ficam do lado de fora

Hoje, a também idealista, Fabiana Forte, está à frente do setor na prefeitura. Ela, que já fez muito sozinha, enfrenta problemas maiores, dentro de um órgão criado há pouco tempo, apenas para resolver os problemas dos animas abandonados. Conforme ela, a prefeitura faz o que pode. Desde 2015, por exemplo, mantém convênio com três clínicas veterinárias. Elas garantem atendimento de animais que vivem em famílias de baixa renda. “Além de um veterinário próprio que atende os casos menos graves que não precisam ir para as clínicas. São animais atropelados, retirados de maus tratos ou que precisam de castração”, explica. “A lista de animais para a castração é grande. Estamos elaborando um projeto para poder fazer mais castrações por mês”, completa.

Para Fabiana, o respeito pelos animais é o primeiro passo para a redução do abandono, logo, de bichos soltos nas ruas. Depois, entram na lista a posse responsável – o que garante animais no pátio da casa, com vacinas em dia e em condições de saúde – a educação das crianças e o controle populacional em massa. “Eles devem ser tratados como seres e não como coisas”, defende.

Este mesmo aspecto é a bandeira do grupo Amigo Cão, de União da Vitória. O projeto começou em julho do ano passado, em um período de férias, com a ideia de “apenas” construir casinhas para os animais de rua. Logo, os bichinhos foram ganhando alimento, cuidados e adoções. O projeto ganhou “corpo”, carinho pela rede social, solidariedade da comunidade.

De acordo com uma das idealizadoras do projeto, Vanessa Witiuk Ferreira, mais de 140 casinhas já foram feitas. “Não parece, mas ainda existem muitos animais precisando. Então, sempre pedimos ajuda com voluntários, doações de rações, cobertores, dinheiro para o tratamento. Hoje o projeto Amigo Cão não está envolvido somente nas construções das casinhas, mas em tudo que possa ajudar os animais que tanto sofrem pela ignorância humana”, diz. O Amigo Cão não é ONG, portanto, não recebe verba de lugar algum. Tudo, absolutamente, sai dos bolsos e dos corações dos envolvidos.

Lixo e alimentação

Diferente do que defende o The New York Times, os protetores e o próprio setor de Proteção Animal defendem que a presença de animais de rua pouco tem a ver com lixo. O termo “vira-lata”, que define bem este conceito, não se aplica exatamente à realidade do Vale do Iguaçu. A defesa tem provas: as dezenas de bichos magros, com fome. “Os animais atraídos pelo lixo são os que sentem fome, vão atrás do alimento para sobreviver”, defende Fabiana. Na prática, são animais sem lar que, na tentativa de ficar sobre as quatro patinhas, se tornam “vira-latas”.

Mas, diferente de procurar alimento no lixo está a alimentação dos bichos. Muitos, por imensa boa vontade, deixam um potinho de ração e de água do lado de fora de suas casas e de seus locais de trabalho. O gesto acaba atraindo vários peludinhos. Alguns se tornam até “comunitários”, recebendo carinho e atenção de mais de um morador.

Para o veterinário Maurício Bostelman, que também defende o carinho e bom tratamento dos bichinhos, o problema está na fartura, de água e comida. “Convém lembrar que quanto mais saudáveis e alimentados estes animais estiverem, maior a facilidade de reprodução já que a fartura de alimento aumenta o vigor e capacidade reprodutiva animal. Se estes não são esterilizados, produzirão muito mais filhotes, o que agravará mais ainda o problema a curto, médio e longo prazo”, explica.

Por outro lado, para o veterinário, não é o alimento encontrado na rua, seja no lixo ou nas mãos de quem tem boa vontade, o que favorece o aumento de animais. Antes, a falta de consciência e conhecimento das pessoas sobre reprodução e sanidade, bem como de políticas de saúde pública. “O Estado é responsável por eles, devendo retirá-los das ruas e dando um destino adequado. Porém, de nada adianta política adequada se as pessoas não tiverem consciência e continuarem procriando animais sem controle”, observa.

Bostelman é da bandeira de aproveitamento da tecnologia neste controle. “Inicialmente, fazendo um cadastro de todos estes animais, esterilização e sua microchipagem, vinculando o animal a seu proprietário, como se faz, por exemplo, com um carro”, sugere.

Polêmica na Rodoviária

Na semana passada, a publicação de uma portaria, colocada no Terminal Rodoviário de Porto União, causou polêmica. No final, tudo acabou sendo resolvido. A prefeitura, por meio de seus funcionários, garante que foi um mal-entendido. O documento proíbe a alimentação dos animais de rua que circulam no Terminal. Revoltados, os protetores se manifestaram contrários à prefeitura.

A explicação veio logo em seguida. Em postagens, a médica veterinária da Secretaria da Agricultura, Ester Drosdoski, informou que a nota era destinada aos funcionários e que proibia o oferecimento de restos de comida, o que estaria atraindo insetos, roedores e mais animais. O prefeito Anízio de Souza também respondeu às postagens e garantiu que o documento não quis inibir o tratamento dos bichinhos, mas evitar aglomerações de animais.