SOLIDARIEDADE: Para aquecer quem precisa

Igreja Batista abre as portas, recebe moradores de rua e indígenas, e reparte o excedente com outras entidades. Gesto repercute no Vale do Iguaçu

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Atualizado há 5 anos

Vestidos com roupas quentes, cheirosos e bem cuidadas, eles choram. Erguem as mãos macucadas pelo tempo e pelas condições de vida na rua. Agradecem. Secam as lágrimas. Se abraçam. A cena se repete entre eles, diversas vezes e entre quem vai chegando até a Igreja Batista, em União da Vitória. Quem tinha frio, encontrou ali um oásis, um espaço de acolhimento, de afeto, onde está sendo possível dormir bem, comer melhor ainda e refletir sobre o recomeço.

Desde segunda-feira, 8, a igreja não tem mais a mesma rotina. A partir das 18 horas, todas as noites, o movimento de pessoas é grande. Da comunidade e dos fiéis, chegam doações: são cobertores, roupas, calçados, toucas, cachecóis, meias e até roupa intima. Na cozinha da igreja, que fica nos fundos do templo, homens e mulheres se organizam em torno dos “panelões”, criando receitas temperadas, que aromatizam o ambiente. Da rua, chegam quem precisa de tudo isso – e de um abraço. Aliás, abraços são doados por lá o tempo todo, a quem pede e a quem não pede também.

Pastor Daniel Carvalho: alegria pelo resultado da mobilização (Fotos: Mariana Honesko).
Pastor Daniel Carvalho: alegria pelo resultado da mobilização (Fotos: Mariana Honesko).

A ideia de abrir as portas da igreja veio do pastor Daniel Carvalho que, na celebração do domingo, decidiu que era preciso fazer algo. O frio intenso, a presença de gente carente nas ruas do Vale do Iguaçu e necessidade de colocar em pratica a fé, mobilizou o início de uma campanha especial, que desde seu começo, rende elogios, compartilhamentos nas redes sociais, e que tem feito com que pessoas de bem, peregrinem até o centro de União, onde fica a igreja, parar ajudar, como é possível. “Começamos a ação no domingo a noite, comunicando que iriamos fazer isso, entende que é a fé colocada em ação. Antes das 8 horas de segunda-feira, já tínhamos muitas pessoas nos procurando, trazendo doações, se voluntariando para atender. A gente vê que realmente as nossas duas cidades está unida pela união, para ajudar quem precisa nesse período de frio”, destaca.

E o carinho e o empenho da comunidade, tem feito com que as doações sejam intensas, ultrapassando – e muito – a necessidade da campanha. Por isso, o pastor promove uma segunda etapa da mobilização: a cessão do que sobrar para outras entidades. “Vamos chamar outras instituições para a parceria. São várias instituições das cidades que tem necessidade desse material e nós queremos auxiliar. Queremos ser benção para essas outas associações”, sorri.

Doações chegam o tempo todo na igreja: o excedente, será doado para outras instituições
Doações chegam o tempo todo na igreja: o excedente, será doado para outras instituições
Dinâmica

A campanha de acolhimento promovida na Igreja Batista será encerrada apenas no final do mês ou, se o tempo seguir muito frio, poderá ser estendida. Para atender quem precisa – moradores de rua, indígenas, por exemplo – a igreja abre as portas de sua estrutura todas as noites, a partir das 18 horas. “A única regra que temos é que é preciso tomar banho. Eles vêm, escolhem as roupas, tomam banho, jantam com os voluntários até porque entendemos que essa humanização é importante. Depois, temos um momento de música. Depois, oramos com eles. Eles colocam pijamas, dormem e tomam café da manhã. Depois, eles vão, seguem a rotina deles do dia”, conta o religioso.

Por conta de toda essa estrutura, as celebrações da semana estão suspensas. A exceção é para a de domingo, que acontece normalmente, com a presença dos moradores, caso tenham essa vontade. “Queremos uma interação, que eles se relacionem com outras pessoas. Sabemos que praticamente todos eles já estiveram inseridos na sociedade, já tiveram família”.

Para dar suporte ao recomeço, a igreja fez uma parceria com as prefeituras e outras entidades de apoio, para auxiliar no que for preciso. Essa força-tarefa conta com equipes para atualizar documentos, por exemplo, e nos próximos dias, com profissional da área de saúde. O acolhimento é feito no templo e em duas salas, transformadas em quartos. Por lá, são 15 colhões, limpos e arrumados, para atender com qualidade quem precisa. “O sentimento é gratificante. Estamos cumprindo a palavra de Deus, trabalhando dentro da igreja e atender quem mais precisa. a gente percebe essa união da comunidade”, sorri o pastor.

“Isso é ser igreja”

A voluntária Margareth Sonálio, que é também membro da igreja Batista, trabalha desde segunda-feira à noite com a comunidade. Para ela, quem mais recebe ajuda é quem se oferece para ajudar – e não quem busca auxílio. “Eles não pedem dinheiros. Eles pedem família, abraço, calor. É algo tão simples. Existe muito amor para se dar e isso é muito bom. Sequei as lágrimas do Pedrinho, já fiz amizade com ele. Todos têm histórias de famílias desmanchadas. Eles pedem isso tudo de novo. O Pedrinho foi um caso. Ele tem medo de voltar e errar de novo. Estamos sendo principalmente abraços. Isso é ser comunidade, é ser igreja”.

Sidney e Pedrinho, moradores de rua
Sidney e Pedrinho, moradores de rua
Lágrimas, abraços e gratidão

Sidney e Pedrinho chegaram juntos à igreja. Bastante sensíveis, se mostram quase indignos de receber o carinho que vem recebendo. “Para mim, se eu tivesse na rua, eu ia estar passando frio. Hoje, tenho roupão, cama. Sou um homem feliz!”, contou Sidney, na segunda noite no abrigo. “Carinho eu só tinha do Pedrinho. Conforto, não tenho faz tempo”. Pedrinho, o mais velho da dupla, é de poucas palavras. Prefere repetir a frase, ‘Deus abençoe’, como um mantra. “A vida na rua é complicada. Que Deus abençoe, porque olhe…não tenho o que falar”, compartilha Pedrinho.