“Vem para casa meu anjo”

Família de Rosane – vítima do feminicídio na Estação União, tenta encontrar força para seguir a vida e cuidar dos filhos que ficaram

·
Atualizado há 4 anos

Rosane morava com os pais na localidade do Rio Vermelho. (Foto: Jaqueline Castaldon).
Rosane morava com os pais na localidade do Rio Vermelho. (Foto: Jaqueline Castaldon).

As palavras ainda não encontram o acalento para um coração ferido. Nenhum pai ou mãe está preparado nem nunca vão estar para enterrar um filho, ainda mais quando envolve morte precoces e violenta.

As mãos de seu Oswaldo mostram que o trabalho nunca foi fácil. Da lavoura, tirou o sustento de sua família por muitos anos. Hoje aposentado, ainda mantem na agricultura uma fonte de renda. A rotina da família simples mudou, mudou muito desde o domingo, 15, as 2 horas quando a notícia chegou. Sua filha do meio, de apenas 31 anos tinha sido assassinada pelo ex marido na Estação União.

Eles, seu Oswaldo e dona Lurdes, estavam esperando pelo retorno de Rosane para aquela madrugada.

“Ela veio na hora do almoço e disse depois eu volto”, lembrou a mãe.

Rosane Guis estava trabalhando no evento que ocorria na Estação União, na sexta-feira, primeiro dia da festa. Ela ficou dormindo na casa de uma amiga. No sábado queria voltar dormir em casa para ficar também um tempo maior com os filhos.

Em vez da chegada de Rosane, a notícia através de um irmão e do sobrinho que ela havia sido baleada pelo ex companheiro quando retornava para casa.

“Quando escutei o barulho do carro, pensei que fosse ela chegando em casa, mas logo vi que a notícia não era boa, meu filho e meu neto estavam aqui aquelas horas”, lembra dona Lurdes.

Em um primeiro momento eles contaram que ela estava baleada, e que estaria no hospital. A mãe, então lembrou da força que Rosane sempre teve, e disse que a filha iria sair de mais essa, mas, infelizmente com o passar dos minutos a ficha foi caído e a verdade veio à tona. Rosane estava morta, recebeu atendimento, mas devido a gravidade dos ferimentos morreu a caminho do hospital.

Para os pais, que já tinham Rosane e os três filhos morando com eles desde dezembro do ano passado, a luta continua, mais, os dias não são mais os mesmos, aquela filha alegre, de bem com vida e com um sorriso estampado no rosto não está mais presente. Rosane se mudou para a casa dos pais na Colônia Rio Vermelho – interior de União da Vitória em dezembro do ano passado, quando depois de mais uma briga, decidiu dar um basta no relacionamento de 13 anos com Anderson, pai de seus filhos e o homem que lhe tirou a vida.

O relacionamento sempre foi conturbado, quando visitavam a família, Anderson não deixava Rosane nem um minuto a sós com eles.

“Ele tinha medo que ela nos contasse o que passava”, lembra a mãe.

Ela nunca falou nada, mas eles sempre souberam que aquele homem era agressivo, possessivo e muito bravo. Os filhos também tinham medo do pai, principalmente o mais velho de 13 anos.

“Ele batia nele sem motivo algum, chegava e batia, ele tinha medo e quando via o pai fugia”, comenta.

O relacionamento começou ainda na adolescência, veio o namoro e o casamento. Quando o filho maior tinha apenas dois anos o casal se divórcio, mas diante das falsas promessas de Anderson, Rosane acabou cedendo e voltou ao convívio com o marido, depois, mais duas gestações, duas meninas, hoje com 9 e 6 anos.

“As meninas entendem menos, mas o menino está muito abalado”.

Vem para casa meu anjo…

Rosane e os filhos voltaram para a casa dos pais oficialmente no dia 2 de dezembro de 2018. O que era para ser uma visita normal do casal e os filhos na casa dos sogros quase acabou em tragédia.

Naquele dia as crianças brincavam com os primos na propriedade da família. Em um determinado momento os xingamentos começaram, Rosane e Anderson saíram brigando e deixaram as crianças, a mãe chamou o marido para que fosse atrás. Seu Oswaldo pegou uma bicicleta e encontrou a filha já na estrada de a pé voltando para casa. “Venha para casa meu anjo”, falou ao pai ao encontrar a filha desesperada. Nesta hora, a mãe já estava ligando para a polícia.

Quando chegou na casa, a poucos metros da entrada, Rosane pegou os filhos e mais uma sobrinha pequena e correu para o matagal se esconder, porque sabia das intenções do marido. Ele rondou a casa, perguntava por eles, a mãe na tentativa de despistar mostrou outra direção. A policia chegou, a situação foi amenizada e Rosane não voltou para sua casa na Colônia Macacos em Paula Freitas, deixou para trás um casamento agressivo, a companhia de um homem que não a deixava nem sair de casa.

“A vida dela era de casa para a estrebaria, todos os dias”, comenta a mãe, ela ainda contou que Rosane adorava a “lida com as vacas”. E segundo a família ela se dava bem com a profissão, tinha uma boa renda com a venda de leite. Trabalho que era dividido com o filho mais velho, que sempre adorava acompanhar a mãe. Era Rosane que sustentava a casa.

Com a mudança para a casa dos pais, as novilhas ficaram para trás, até hoje Rosane esperava a venda das vacas ou o transporte até a casa dos pais que inclusive já tinham erguido uma nova estrebaria para a filha.

A família tem vida humilde, mas não lhe falta nada. Apenas a saudade eterna da filha, mãe, amiga e irmã Rosane. As crianças frequentam uma escola próxima. “Minha filha ou eu levava o menino até o ponto de ônibus, tem dias que a saúde não me ajuda, agora com a falta da mãe, uma bicicleta seria bom”, lembrou seu Oswaldo, ao ser perguntando se algo faltava para a família.

As agressões

Em uma outra oportunidade há três meses atrás, Anderson ligou para Rosane afirmando que havia encontrado um interessado em comprar as vacas. Rosane foi até a casa do ex com a esperança de vender os animais e ter uma renda. Mas quando chegou lá, não tinha ninguém. Apenas ela e seu ex marido frente a frente. Ele estava com duas armas e disse que uma era para ele e a outra para ela. “Não sei como a tragédia não aconteceu nesse dia, Rosane chegou aqui branca, e disse que implorou pela vida”, contou a mãe.

Nas poucas conversas que tinham, ele nunca pedia das crianças. “Ele só queria saber dela, tinha uma raiva gigante”. Um dia a avó questionou as crianças sobre o pai, e os três contaram tudo. Segundo dona Lurdes, a família de Anderson sabia das agressões.

Inclusive, Rosane já havia procurado a Polícia por algumas vezes e possuía medida protetiva contra o ex-marido, para ela e os filhos. Segundo o delegado, as medidas são do dia 9 de agosto deste ano. A família contou que por várias vezes Rosane procurou a policia para falar sobre as ameaças.

O adeus

No dia do crime, Rosane foi almoçar com a família. Deixou o trabalho por pouco tempo, foi ate lá e garantiu que voltaria para casa durante a noite. Queria ficar com os filhos. A irmã Clarice, a mais velha que mora também casa lembrou. “Foi a última vez que nos vimos ela”.

Rosane estava em um stand da empresa que estava trabalhando desde janeiro deste ano. Quando se preparava para retornar para casa foi alvejada por três disparos pelas costas.

O ex marido, atirou contra a cabeça e morreu ali mesmo no chão.

“Eu quero falar disso para que não aconteça com outras famílias o que aconteceu com a minha”, afirmou o pai.

A família inclusive se reúne todas as noites para uma corrente de oração em nome das vítimas da violência doméstica e do feminicídio.

Neste sábado, 21, acontece na Igreja Nossa Senhora da Salete a missa de sétimo dia da morte da Rosane. No domingo a celebração será realizada na Capela do Rio Vermelho.