RECICLAGEM Separação do lixo ainda não é ideal

Embora boa parte da população faça a lição de casa, aterros recebem material que poderia ter destino diferente. Assunto foi parar na Câmara de Vereadores

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Atualizado há 6 anos

Uma montanha de lixo: juntas, cidades do Vale do Iguaçu enviam para seus aterros 1,2 mil toneladas de resíduos
Uma montanha de lixo: juntas, cidades do Vale do Iguaçu enviam para seus aterros 1,2 mil toneladas de resíduos

Talvez nunca tenha se falado tanto em preservação do meio ambiente. E quando o assunto é lixo, campanhas em todo o País fomentam a separação correta e o reaproveitamento de boa parte do material orgânico. Mas, mesmo assim, até por mais boa vontade que tenha a comunidade, alguma coisa ou outra acaba indo para o lixo errado, seja camuflado numa sacolinha, seja por descuido mesmo. O resultado é uma montanha crescente de lixo nos aterros sanitários e, consequentemente, uma vida mais curta para estes espaços tão difíceis de serem abertos.

Conforme informou a equipe do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em Curitiba, o licenciamento ambiental para a construção de um aterro depende de diversos documentos e autorizações. “Não é algo muito simples, depende do tipo de aterro, se para resíduos sólidos urbanos, resíduos de construção civil, de saúde e por aí vai, da aprovação da área onde pretende ser instalado o empreendimento, porte do município, viabilidade ambiental, apresentação de estudos, de projetos de mitigação de possíveis impactos”, disse, em nota, a assessoria de imprensa do órgão.

Por isso, cuidar para que estes lugares sejam mais sustentáveis e duráveis é fundamental. No Vale do Iguaçu, a atual duração dos aterros é estimada em dez anos, tanto para o aterro que fica na Colônia Papuã, para onde o lixo gerado em União da Vitória é levado, quanto para o Legru, que recebe a produção de Porto União. Contudo, se a separação do lixo em cada casa for mais refinada, a vida útil dos aterros pode ser maior. O efeito desse trabalho de formiguinha pode impactar até na economia dos municípios, que não vão precisar pensar na compra de novas áreas, na abertura de novas valas e na reorganização do solo.

O assunto foi discutido na sessão da semana passada da Câmara dos Vereadores de União da Vitória. Jair Brugnago (PSDB) levantou o assunto tomando como foco a necessidade de uma maior reciclagem. Ele sugere novas ações de incentivo à separação, para evitar a superlotação dos aterros. Outros parlamentares se mostraram favoráveis à ideia e, já na sessão, contribuíram com sugestões. Uma delas veio do presidente da Câmara, Almires Bughay Filho (PSDB). Ele propôs uma visita à cidade de Pinhão (PR), que faz um grande trabalho em cima do tema (veja quadro) e disse que a Câmara está aberta para novas ideias e pode ajudar até na confecção de material publicitário, de incentivo ao gesto.

Se-pa-ra-ção

O lixo orgânico – papel higiênico, cascas de frutas e restos de comida, por exemplo – que você colocou na sacolinha plástica é recolhido pelas equipes de coleta. Em União da Vitória, é a empresa Engegreen que executa o serviço. Em Porto União, a Ecovale. No caminhão, a sacolinha se junta a outras milhares, coletadas todos os dias no centro e nos bairros das cidades do Vale do Iguaçu.

Se você mora em União da Vitória, sua sacolinha faz parte de uma conta grande: por mês, a empresa coleta 730 toneladas – são incontáveis sacolas plásticas cheias – em média. Se a sacolinha foi coletada em Porto União, faz parte de uma estatística parecida: no mês, a Ecovale recolhe das casas, dos prédios, dos restaurantes e das lojas, cerca de 560 toneladas. É muita coisa e muito poderia nem estar ali, se a separação do lixo tivesse sido feita corretamente. “Por mais que a população capriche, sempre tem algo no orgânico”, resume o proprietário da Engegreen, Ricardo Luis Bonin. “Uma fração (de lixo reciclável) tem, porque muitos não aderem ao processo”, completa o engenheiro ambiental da Ecovale, Felipe Kotwiski.

Triagem da Ecovale ainda encontra muito material inaproveitável
Coopertrage recebe o material que pode ser reciclado em União da Vitória

E muito material reciclável acaba indo para o aterro e o inverso também acontece. Dentro da triagem da coleta seletiva, muito ainda é descartado. Em Porto União, a coleta seletiva é feita pela Ecovale mesmo, em um barracão próprio para isso, no bairro Santa Rosa. “Vinte por cento é rejeito na triagem”, confirma Kotwiski. Ou seja, mesmo no que foi separado pelas pessoas, ainda não é exatamente reaproveitável. Conforme ele, é comum encontrar agulhas, lâmpadas, pilhas e baterias e até remédios vencidos nas sacolas do material reciclável. Além de não poder aproveitar, a Ecovale paga pelo “erro”, já que o material é novamente triado e enviado para empresas de outras regiões, preparadas para o tratamento dele.

Em União da Vitória, a separação é feita pelos cooperados da Coopertrage, entidade que tem sua estrutura montada no antigo Terminal de Calcário, em São Cristóvão. De acordo com o secretário da Agricultura e do Meio Ambiente da cidade, Nei Kukla, são levados para a triagem cerca de 130 toneladas de material por mês. “Mas, ainda cerca de 35 toneladas mensais são descartas de forma errada”, aponta. “Se a população usar o destino correto nas sacolas laranjas, podemos aumentar este índice”, completa. A referência ao saco laranja lembra o início da campana da Coopertrage, que distribuiu em todas as casas de União da Vitória, a embalagem para armazenar o lixo para envio à reciclagem. Com o tempo, essa essência se perdeu (veja quadro).

O tratamento devido

Uma reportagem especial, disponível na página do Senado Federal, mostra como os grandes países tratam o lixo que geram. O primeiro exemplo mencionado é o da Alemanha. Líder mundial em tecnologias e políticas de resíduos sólidos, o país quer alcançar, até o final desta década, a recuperação completa e de alta qualidade dos resíduos sólidos urbanos, zerando a necessidade de envio aos aterros sanitários (hoje, o índice já é inferior a 1%). Desde junho de 2005, inclusive, a remessa de lixo doméstico sem tratamento ou da indústria em geral para os aterros está proibida.

Entre 2002 e 2010, o total de resíduos urbanos domésticos produzidos pela Alemanha caiu de 52,8 milhões para 49,2 milhões de toneladas. Pode não parecer uma queda acentuada, mas o importante é o destino que o País tem dado ao lixo. Em 2011, de acordo com o Eurostat, órgão de estatísticas da União Europeia, 63% de todos os resíduos urbanos foram reciclados na Alemanha (46% por reciclagem e 17% por compostagem), contra uma média continental de 25%. Se entre seus vizinhos 38% do lixo acaba em aterros sanitários, na Alemanha a taxa é virtualmente zero, graças, em grande parte, ao fato de que 8 em cada 10 quilos do lixo não ­reaproveitado são incinerados, gerando energia. É uma cultura arraigada na sociedade. Em 1970, a Alemanha tinha cerca de 50 mil lixões e aterros sanitários. Hoje, são menos de 200.

O Japão é outro exemplo citado na matéria como sucesso neste assunto. Junto com o crescimento econômico do país, a partir da década de 1960, ele se viu diante do desafio de encontrar um destino para o lixo. Como a área territorial é pequena, se comparada à população, reduzir o volume de resíduos sólidos levados aos aterros é essencial.

Graças a uma série de iniciativas, algumas já com meio século, o Japão é um dos países mais avançados nesse campo. Em 1970, entrou em vigor a Lei de Gestão de Resíduos, primeiro passo em direção ao atual sistema, que envolve toda a cadeia da produção e destinação do lixo, encarada a partir dos conceitos de reduzir, reciclar e reaproveitar. Desde 1997, as emissões de dioxinas e outros poluidores de usinas de incineração foram reduzidas em 98%. São mais de 1,2 mil plantas em atividade, a maioria adaptada ao conceito de alto controle de poluição e alta eficiência energética. Uma dessas usinas, por exemplo, fica no populoso distrito de Shibuya, em Tóquio, e processa 200 toneladas diárias de lixo, gerando energia usada na própria cidade.

‘Caminhos da Reciclagem’ leva visitantes à reflexão em Pinhão

Segundo matéria publicada no portal da prefeitura de Pinhão, “por vários anos o município manteve um lixão a céu aberto e acumulou muitas multas”. Agora, a cidade é referência. Pinhão tem uma Unidade de Tratamento de Resíduos e faz dela uma sala de aula. Além de fornecer uma estrutura adequada para destinar o lixo gerado no dia a dia da cidade, a Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Habitação criou um vale feira chamado de “Bufunfa”, que funciona como um incentivo para as pessoas que separam os resíduos corretamente.

Triagem da Ecovale ainda encontra muito material inaproveitável
Triagem da Ecovale ainda encontra muito material inaproveitável

A conscientização é um dos processos mais importantes para que tudo isso funcione. “Em 2017, por exemplo, o município realizou o primeiro Concurso de Desenhos com o tema Meio Ambiente e envolveu alunos de várias escolas. Agora com a conclusão da Unidade de Tratamento de Resíduos, está sendo implantado o programa Caminhos da Reciclagem’, conta a nota.

O programa realiza visitas na unidade de triagem e tem como objetivo informar ao grupo que participa do circuito “das reais possibilidades de mudanças comportamentais e de atitudes no descarte dos Resíduos Sólidos gerados, especialmente do lixo doméstico e comercial através de ações informativas”. “Nós colocamos os visitantes em contato com a realidade do problema e apresentamos as alternativas de solução, sensibilizando-os para participação consciente, estimulando-os a separação dos lixos orgânicos, recicláveis e rejeitos. As pessoas são estimuladas ao questionamento a partir da reflexão sobre os desafios para mudar as formas de pensar e agir em torno da questão da reutilização, da reciclagem e da importância da adequada e correta destinação dos resíduos”, explica na matéria, o secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Habitação, Valter Israel.

Supermercados são obrigados a fornecer a sacola laranja

De acordo com Kukla, todos os mercados de União da Vitória precisam oferecer o material para a separação em casa do lixo reciclável no momento do pagamento das compras, isto é, as sacolas laranjadas. “O que o pessoal precisa é cobrar sempre isso”, orienta o secretário. Contudo, uma sondagem informal mostra que algumas empresas não têm feito a lição de casa. Mas, na cidade, isso é obrigatório. Tem até Lei para regulamentar. É a Lei 4607/2016, de 11 de maio de 2016.

Em partes, o documento diz que “os estabelecimentos comerciais na área urbana do município que utilizam e disponibilizam sacolas plásticas aos clientes na venda de produtos, acessórios, implementos e congêneres, terão que fornecê-las nas cores laranja para acondicionamento de resíduos secos e em outras cores, que não a laranja, para os resíduos não recicláveis/rejeitos”. Ainda segundo o secretário, a ideia da mobilização é estimular e facilitar a separação do lixo. Kukla ressalta que é importante os consumidores exigirem o material, para garantir o tratamento adequado em casa e aos mercados, o comprimento da Lei.