A pergunta que não quer calar: já é hora de abandonarmos as máscaras?

Com avanço da vacinação e diminuição dos níveis de transmissão, decretos flexibilizando o uso do item começam a surgir no país. A medida, contudo, pode ser precipitada

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Atualizado há 2 anos

(Reprodução/Internet)

Brasil alcançou a marca de 74% da população vacinada com pelo menos uma dose de imunizantes contra a Covid-19; a taxa de população com esquema completo, seja com duas doses ou dose única, é de cerca de 54%, segundo dados do Our World in Data, da Universidade de Oxford. O avanço na vacinação tem surtido efeito na curva de contaminação e mortes por Covid-19 no país: de acordo com dados do Consórcio de Veículos da Imprensa, a média móvel de novos casos na quarta-feira, 27, era de 12.163, e o de mortes era de 433. A título de comparação, em junho deste ano, o Brasil chegou a registrar média de mais de 77 mil novos casos, e de mais de três mil mortes em abril.

Com a queda nos números e um aparente controle da pandemia, estados e municípios começaram a flexibilizar medidas restritivas. Uma das mais aguardadas é a determinação da não obrigatoriedade do uso de máscaras, item que se tornou indispensável durante a pandemia. A recomendação pelo uso facultativo de máscaras neste momento, contudo, pode ser precipitada, aponta a bióloga, pós-doutora em imunologia e professora de Biossegurança na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Melissa Markoski.

“O uso de máscaras ainda é muito importante porque, embora nós tenhamos um número de casos e mortes cada vez menor, esses números ainda são muito altos quando comparamos a outras doenças. Doenças cardiológicas, a própria gripe por influenza, então esses números ainda continuam bastante altos e uma maneira que a gente tem de diminuir isso é diminuir a transmissão, e a gente faz essa diminuição de transmissão utilizando máscara porque ela é uma barreira física importante nesse aspecto, além da vacinação”.


Qual máscara usar?

Uma questão fundamental com relação às máscaras é destacada por Melissa: o ajuste ao rosto. Com tantos modelos disponíveis, é necessário escolher uma peça que, acima de tudo, não permita que o ar passe por frestas deixadas por uma máscara má ajustada. A bióloga também destaca a importância de se analisar os riscos que o ambiente proporciona.

“Se você estiver em um local aberto, se estiver mantendo o distanciamento, você pode optar pelas máscaras cirúrgicas, máscaras de pano desde que [possuam] pelo menos duas camadas. Mas o mais importante é a questão do ajuste e se manter, mesmo em locais abertos, o distanciamento das demais pessoas, e aí, manter as melhores [máscaras] para locais de maior risco, como espaços internos fechados com ventilação inadequada/insuficiente, transporte público, etc”.

Conforme apontado por Melissa em entrevista ao jornal O Comércio em maio deste ano, a máscara mais indicada para ambientes de risco é a PFF2, pois ela apresenta eficiência de filtração de partículas de até 95%.

Além da boa escolha da máscara, Melissa indica uma boa escolha de ambientes. Com a flexibilização das medidas restritivas, muitos lugares que deixamos de frequentar por conta da pandemia agora retornam a fazer parte de nosso dia a dia, como no caso de bares, restaurantes e até mesmo cinemas e teatros.

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“Se, por exemplo, a pessoa optar por comer em um restaurante, [é indicado] preferir locais ao ar livre, porque nesses locais as pessoas precisam tirar a máscara. Eu ainda acho que não é o momento de retorno às salas de cinema lotadas ou salas de teatro lotadas. Eu ainda acho que é um pouco cedo para isso, porque mesmo que você tenha uma boa adesão ao uso de máscaras nesses locais você não tem um distanciamento adequado e, se porventura as pessoas tiram a máscara por algum motivo, você pode ter contaminação do ambiente e são ambientes que não tem uma ventilação muito boa com relação a troca de ar. Eu acho que precisa se observar muito essas questões: se a cidade está com uma cobertura vacinal mais elevada e os locais que você vai, mantendo ainda as medidas não farmacológicas, mesmo que você esteja vacinado. Agora, é diferente se você vai encontrar por exemplo a família, vai fazer um almoço com a família, todo mundo vacinado, ali pelo menos com dois ou três dias sem que haja exposição, sem que as pessoas tenham se exposto a uma situação de risco, é bem mais tranquilo. Então sim, algumas coisas é possível, outras nem tanto ainda, vai depender do que a pessoa tem vontade de fazer”, explica.


Quando será seguro deixar de usar máscaras?

A flexibilização do uso de máscaras já começa a ser realidade em alguns estados, como no caso do Rio de Janeiro. O governador, Cláudio Castro, sancionou uma lei que tornou opcional o uso do item em locais abertos. Para Melissa, o número de casos e mortes pela Covid-19 no país ainda são preocupantes e o ideal seria aguardar até que essas taxas chegassem a um patamar menor para que se flexibilizasse o uso de máscaras.

“Do ponto de vista de biossegurança, como a gente ainda está num período onde acontecem as contaminações, como nós temos ainda uma faixa bem ampla da população não imunizada, principalmente crianças, como a gente tem um retorno de atividades de lazer e etecetera que preveem aglomerações de pessoas, considerando todos esses aspectos, nós temos taxas ainda de casos e mortalidade bem elevadas. Se a gente for pensar, uma média de 300 e tantas mortes ao dia não é um número trivial, é como se caísse um avião por dia. Então, considerando tudo isso, a gente precisa utilizar a máscara até que essa situação toda se torne menos preocupante”.

Para a bióloga, um número que poderia guiar a flexibilização seria o da gripe por influenza. De acordo com Melissa, em 2017 e 2018 essa doença levou entre oito a dez pessoas a óbito por dia, número muito menor do que o apresentado atualmente pela Covid-19.

“Ter uma redução maior que se prevê que o vírus está mais endêmico e que as pessoas estão sim se contaminando, mas que a gente não tenha mortalidade nesse padrão elevado por decorrência disso” completa.

Outro fator importante é o acompanhamento das variantes do vírus. Melissa aponta que, mesmo com a vacinação avançando no Brasil, alguns países ainda estão iniciando o processo de imunização. Segundo o site Our World in Data, no continente africano, apenas um país já alcançou a taxa de 60% da população imunizada com ao menos uma dose; a grande maioria dos países africanos ainda não alcançou a marca de 10% de população vacinada.

Um exemplo da importância de se estar atento às variantes são os Estados Unidos. Em maio deste ano, o país deixou de exigir o uso de máscaras na maioria dos ambientes. A vacinação avançava e a vida parecia voltar ao normal. Poucos meses depois, a variante Delta chegou ao país, fazendo com que os números de contaminação voltassem a subir. Devido a isso, em julho, o Centro de Controle de Doenças voltou a recomendar o uso de máscaras.

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“Nós temos trânsito de pessoas com outros países. Alguns com cobertura vacinal maior e outros com cobertura vacinal menor, então isso pode sim acarretar em você ter espalhamento de novas variantes entre os diferentes países. Tem países que estão recém começando a imunização, então a gente precisa estar atento que novas variantes de preocupação podem surgir e aí a gente tenha que regredir, tenha que voltar atrás, tenha que se cuidar muito mais. Então sim, é importante a gente manter a máscara durante um tempo e acompanhar o que está acontecendo nesse cenário mundial e tentar fazer com que realmente as pessoas tenham maior aderência à vacinação aqui no país também”.

Porém, apesar do desejo de abandonar de vez as máscaras, existe a possibilidade de que elas tenham vindo para ficar, como no caso de algumas sociedades asiáticas. Por lá, é comum que a população utilize a peça em seu dia a dia, principalmente no transporte público ou em lugares que representem maior risco à saúde, como hospitais.

“É uma medida que gera uma cultura muito interessante em questão de prevenção de doenças porque, se a gente for pensar, não é só Covid, estamos sujeitos a diferentes outras doenças de transmissão respiratória. Acredito que é uma ótima medida se fazer isso: a pessoa está com sintomas gripais e precisa sair de casa, precisa trabalhar, que ela utilize então uma máscara para não contaminar as outras pessoas. Eu acho realmente muito importante”, comenta Melissa.

A bióloga alerta que, mesmo com a flexibilização com relação ao uso de máscaras neste momento, é importante que as pessoas optem por utilizá-la, mesmo que não haja obrigatoriedade, visto que o item protege tanto quem a usa, quando quem está próximo.

“Eu passei uma semana de férias numa praia e eu e meu marido éramos praticamente as únicas pessoas que caminhavam à beira da praia de máscara. Sim, a gente nota que tem pessoas que olham assim ‘ai, que que fazem essas pessoas de máscara caminhando aqui na praia?’, mas em nenhum momento me senti constrangida, me senti protegida, me senti segura. Então, talvez levantar essa bandeira com as pessoas que têm essa consciência da importância do uso da máscara. Alguma campanha nesse sentido de olha, você está fazendo a coisa certa, você está prevenindo transmissão não só para você mas para pessoas da sua volta. Acho que é importante ainda as pessoas entenderem a importância do uso da máscara. Dizer para essas pessoas que ainda estão utilizando máscara e pretender utilizar máscara por um tempo, o agradecimento ao papel de bom cidadão, de pessoas que pensam no coletivo, de pessoas que estão ajudando a salvar vidas. Eu acho que a gente tem que dar um reforço positivo para todo esse esforço de quase dois anos para essas pessoas mantendo todos esses cuidados, aonde a máscara é apenas um deles. Mas eu acho que vai muito nesse sentido, essas pessoas precisam se sentir valorizadas porque elas estão fazendo aquilo que é certo”.