PARTO SEM MEDO: Pelo protagonismo da mulher e do bebê

Em entrevista ao jornal O Comércio e à Rádio CBN, médico Alberto Guimarães falou sobre a violência obstétrica. Cada vez mais, procedimentos duvidosos são mapeados

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Atualizado há 5 anos

Gravidez acompanhada e mamãe preparada, podem garantir o parto natural, sem complicações (Fotos: Arquivo/JOC)).
Gravidez acompanhada e mamãe preparada, podem garantir o parto natural, sem complicações
(Fotos: Arquivo/JOC)).

“Na hora de fazer você não chorou, né?”. “Se gritar eu paro agora”. Esses e outros insultos parecidos ecoam nas salas de parto pelo País afora. É a violência obstétrica, cada vez mais identificada, mapeada e coibida, para devolver o protagonismo a quem realmente merece atenção na hora do parto: a mãe e o bebê.

Foi justamente sobre o ‘parto sem medo’, que o médico, Alberto Guimarães, Mestre pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), conversou com a reportagem do jornal O Comércio e do Rádio CBN Vale do Iguaçu. Para ele, na hora de dar à luz, gestante e bebê, merecem cuidado, respeito e dignidade. Em várias maternidades paulistas, Guimarães lidera projetos de incentivo ao parto sem medo. “Quando ouvimos a expressão ‘violência obstétrica’, nos remete à algo físico. Mas, na verdade, ela tem sido caracterizada por situações múltiplas, que vai desde agressões físicas, verbais e psicologias. A violência é a quebra da confiança de que você seria bem-vinda em determinado lugar”, define.

Proteção

Além do código penal e dos vários tratados internacionais que regulam de forma geral os direitos humanos e direitos das mulheres em especial, a portaria 569 de 2000, do Ministério da Saúde, que institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS, diz: “toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura”.

A Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS). “A gente ouve os relatos sobre a violência, mas ela é tema novo, mas a prática, mais antiga. Temos quem está na saúde e não entende que a mulher está numa situação de esclarecimento, a sociedade se transforma, as relações também”, comenta Guimarães.

“Ele escolheu nascer quando estava pronto”

Karoline Ruaro de Campos, 33, é jornalista, professora e desde o dia 12 de outubro de 2015, mãe. Mesmo sendo “de primeira viagem”, fez a lição de casa direitinho e adotando o parto humanizado, recebeu com peito aberto e muita emoção o seu José, um menino forte, dono do “melhor cheiro do mundo”, segundo ela. Mas, para chegar com serenidade até o dia 12 de outubro, foram necessários nove meses de preparação. Karoline contou com o apoio do Pedro, seu marido, da parceria de uma doula (leia mais no quadro) e de um médico que também encarou o parto humanizado como importante. “Passei por cinco até encontrar um médico para chamar de meu”, conta a jornalista, com bom humor.

Ao longo dos noves meses, muito além de treinar a respiração e posições, por exemplo, foi importante para Karoline entender que sim, o corpo fala e “diz” quando é hora de o bebê vir ao mundo. “Uma parte importante foi o ‘empoderamento’ de que nosso corpo sabe como fazer o parto, é um procedimento natural e possível para gravidez de baixo risco como era o meu caso”, conta. Ao lado da doula, a jornalista também pode tranquilizar seu companheiro que, ansioso, queria o quanto antes o agendamento de uma cesariana. “A doula foi fundamental nesse processo, apresentado os riscos de uma cesárea desnecessária e as vantagens do parto natural humanizado”.

Malas prontas, coração a mil, o dia 12 de outubro começava diferente. “Era cedo. Logo nas primeiras horas da manhã comecei a sentir que seria “O dia”. Às seis levantei da cama, fui ao banheiro e vi que saiu um pouco de sangue, o tal do tampão mucoso. Ainda tremendo de medo, de alegria e de emoção, voltei a deitar. Logo o Pedro acorda e eu falei “acho que é hoje””, conta. O casal ainda tomou café e Karol descobria as dores das contrações. Eles ainda tiveram tranquilidade para buscar a mãe de Karoline na rodoviária (Karol é de União da Vitória, mas mora em Curitiba e naquele dia, o movimento era ainda mais intenso na cidade por conta do feriado). “Esperando lá, as dores ficaram mais intensas, tentei sentar, caminhar, subir, descer as escadas e já não havia posição que ficasse confortável. Minha mãe chegou e saímos para almoçar. A barriga ficava mais rígida a cada contração que agora já estava ritmada”, narra.

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Karol no momento do parto: José nasceu de parto natural, sem complicações

De volta para casa com a vovó no carro, Karoline manteve a respiração, aguentou as dores e só foi ao hospital mais próximo do momento do nascimento. Já eram 16h20. “No caminho, senti que ele nasceria a cada buraco que passava pela rua, o caminho mais longo que já passei”, lembra. Deram sorte: encontraram uma vaga na frente do hospital e lá dentro, a doula já esperava Karoline. “Me passam na frente de outros pacientes sem tanta urgência e sou encaminhada para avaliação com o plantonista. Dilatação total! O médico plantonista me manda na cadeira de rodas para a sala de parto porque “não quero criança nascendo no corredor””, conta a mamãe.

Em um certo momento, Karol ficou sozinha na sala do parto – o marido fazia a internação e a doula, trocava de roupa para acompanhar o processo todo. Era o momento do transe. “Mil pensamentos se dou conta, se vão chegar a tempo, se não esqueci nada em casa, se estava respirando certo, se iria aguentar, se iria aguentar, se iria aguentar!”. O marido chegou perto das 18 horas, enquanto, até lá, a doula fazia todo o acompanhamento da mamãe que nasceria em pouquíssimo tempo. Karol encontra a melhor posição para o tão esperado momento: de joelhos, no chão, apoiada na maca. “Pedro abaixa e segura minha mão mais forte. Sinto ele (o bebê) fazendo a rotação e na próxima ele nasce! José! Bem-vindo meu filho amado! Pedro me ajuda a pegá-lo e não lembro como subi na maca, ele é perfeito e tem o melhor cheiro do mundo! Embrulhamos e logo Pedro corta o cordão umbilical”, conta, emocionada. Karol driblou as estatísticas, enfrentou a dor e sai vitoriosa. “Logo fui para o quarto, tomei banho e chega o José direto para meu peito, sereno, confortável, amado, completo”. “Ele escolheu nascer quando estava pronto, quando o corpo dele estava preparado para enfrentar o mundo aqui fora”, diz. José tem três anos, é saudável e sim, ainda mama no peito.

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José e sua família: três aninhos e uma história especial

Parto humanizado

O modelo alternativo, hoje conhecido como parto humanizado, se baseia em exemplos usados em países como Holanda e Alemanha, e é centrado na autonomia da mulher, pensando o parto como algo fisiológico, natural, com pouca ou nenhuma intervenção médica. O direito da mulher sobre o seu próprio parto também é uma das principais bandeiras de um movimento feminino que cresce a cada dia no Brasil, principalmente através de blogs e articulações por redes sociais.

O parto humanizado pode acontecer em casas de parto, em casa (somente para gestantes de baixo risco, que são a maioria) e até em salas especiais que muitos hospitais estão criando com esta finalidade. Apesar de em 2011 o governo federal ter lançado a Rede Cegonha, que tem como objetivo humanizar o parto e criar casas de parto normal integradas ao SUS, ainda há poucas opções e somente em grandes centros urbanos – até 2014, segundo o Ministério da Saúde, serão 200 em todo o País. Com pouca ou nenhuma divulgação, sobram leitos em muitas delas.

Violência

O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência.

Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como, por exemplo, impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, grosseiras ou qualquer situação que faça a gestante se sentir mal pelo tratamento recebido.

Conforme conta o portal da Fundação, em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação. Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados.

Desse teste nasceu o documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras”, com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea”.

Cesariana desnecessária: mais uma violência

A imposição de uma cesariana desnecessária também tem sido vista pelos pesquisadores e pelas próprias mulheres como uma forma de violência porque além de um procedimento invasivo, oferece mais riscos a curto e longo prazo para a mãe e o bebê.

Apesar do índice máximo de cesarianas aconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ser o de 15%, o Brasil lidera o ranking na América Latina, segundo a Unicef, com mais de 50% de nascimentos através da cirurgia. E o índice sobe consideravelmente quando se olha apenas para os hospitais particulares. Em 2010, 81,83% das crianças que nasceram via convênios médicos, vieram ao mundo por cesarianas. Em 2011, o número aumentou para 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).


Doula

“Mulher que serve”. Este é o significado da palavra grega, ‘doula’. Na prática – e na área da saúde – o trabalho da profissional é dar mais conforto, tranquilidade e humanidade para as gestantes. As doulas lutam, sobretudo, pela humanização do parto e pelo respeito ao protagonismo da mulher em um momento tão especial e marcante em sua vida: dar à luz.  É que além do efeito psicológico, o trabalho delas vem reduzindo as estatísticas médicas. Estudos mostram, que com o acompanhamento ocorre a diminuição da quantidade de anestesia e há uma melhor satisfação com o parto e menor taxa de Cesária. A recomendação é de que a doula acompanhe a mamãe durante os nove meses: da gravidez até o parto.