Transtorno é doença, loucura é não ajudar

No Vale do Iguaçu há 1.221 pessoas com problemas mentais. Fator que se não tratado, enlouquece e pode ter tristes finais

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Atualizado há 4 anos

Tecnicamente, a loucura é chamada de deficiência mental. No Vale do Iguaçu, moram 1.221 pessoas com problemas mentais: 574 em Porto União e 697 em União da Vitória. No Paraná, 143.376 tem o problema e em Santa Catarina, a doença mental atinge 71.956 pessoas. O Brasil tem, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2.611.536 milhões.

“A doença mental pode ser percebida quando a pessoa deixa de se relacionar de forma funcional com o mundo. É (a doença mental) qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica ou mental”, pontua a psicóloga e professora na Universidade do Contestado (UnC), Daniele Jasniewski.

É pejorativo, portanto, chamar alguém de louco ou de doido. As alterações de comportamento são deficiências e como todas, merecem respeito e atenção.

Suicídio

A palavra é uma expressão de origem latina, sui caedere, cujo significado é exatamente o que você está pensando, matar-se. Quase a totalidade dos suicídios está relacionada à doença mental não tratada ou assistida de forma inadequada, em 96% dos casos. Transtornos de humor, como depressão, bipolaridade e esquizofrenia são os três problemas mais associados à ideação suicida, mas eles poderiam ser controlados em 90% dos casos, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria. O Brasil vive à beira da loucura, sendo o oitavo País em números absolutos de suicídio.

O suicídio é assunto de saúde pública, afinal,  cerca de um milhão de pessoas tiram a própria vida por ano em todo o mundo. No entanto, é possível que os números sejam muito maiores. Como já mostrou O Comércio, o Paraná registrou 893 casos de suicídio em 2018; 728 pessoas eram homens e 165, mulheres. Já em Santa Catarina, os suicídios desde 2019 até agosto deste ano, totalizaram 478: 104 mulheres e 374 homens.

WhatsApp Image 2020-09-25 at 15.50.13 (2)No entanto, esse último grito por ajuda pode ser prevenido.

“Saber reconhecer os sinais de alerta em si mesmo ou em alguém próximo pode ser o primeiro e mais importante passo. Por isso, fique atento se a pessoa demonstra comportamento suicida e procure ajudá-la”, ensina página especial sobre o tema dentro do site do Ministério da Saúde.

De fato, reconhecer sinais e não os minimizar são pontos chaves. Além disso, conforme Bruno Mader, psicólogo do Pequeno Príncipe, uma boa saúde mental é construída, principalmente, a partir de quatro pilares: diálogo com a família, convivência com amigos, prática de esportes e de atividades culturais expressivas. Ele falou sobre o tema ao UOL.

No texto, existem ainda uma lista de sinais de alerta, que podem ajudar a descobrir se um familiar precisa de ajuda. No caso de filhos, o mais importante é que, ao analisar o comportamento, os pais os comparem com eles mesmos e não com outras crianças e adolescentes. Por exemplo, se uma pessoa é extrovertida, falante, e de repente fica calada por vários dias, isso pode ser um sinal de alerta. Mas, se o jovem é naturalmente tímido e introvertido, esse comportamento não é necessariamente preocupante.

WhatsApp Image 2020-09-25 at 15.50.13 (1)Outras questões são: isolamento social, tristeza excessiva, irritabilidade exacerbada (a ponto de interferir nas relações sociais), agitação excessiva, dificuldade de expressar os sentimentos ou de lidar com afetos, interesse exacerbado por temáticas de risco, como violência, agressão, autolesão e suicídio, verbalizar que não gosta de si mesmo, comportamento sexualizado em desacordo com a idade.

“O suicídio é considerado um fenômeno complexo, tema carregado de medo, desconhecimento, preconceito, incomodo e atitudes condenatórias, sendo que um simples pensamento ou fala do tipo, “Gostaria de dormir e não acordar mais’, se não observado atentamente e cuidado com seriedade, poderá levar a grandes conseqüências e arrependimentos, podendo ser tarde demais”, alerta a professora e psicóloga com atuação no Vale do Iguaçu, Gislei Ferreira Caldas.

A profissional pontua mitos e verdades nessa relação de dor. É mito, por exemplo, acreditar que quem fala que vai se matar, não se mata. É mito também que quem sobrevive a uma tentativa está livre do problema. Por outro lado, é verdade que tentativas prévias de suicídio e doenças psiquiátricas, psicológicas e mentais são os dois fatores de risco principais assim como é dizer que não existe um meio perfeito para saber exatamente quando uma pessoa está no meio de uma crise suicida.

Controlando a minha maluquez

Raul Seixas poetizou sobre o ser maluco. Ele mesmo, um autodidata em ser um maluco beleza, ensinou com sua canção como domar as emoções. “Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez, Vou ficar, ficar com certeza maluco beleza, Eu vou ficar, ficar com certeza maluco beleza”. A prática mostra que sim, Raul estava certo: é possível controlar a maluques de cada dia.

WhatsApp Image 2020-09-25 at 15.50.13As unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), disponíveis no País e presentes em União da Vitória e em Porto União, são opções públicas para se buscar ajudar.

Em União, funcionam dois modelos de assistência: Caps e Ambulatório de Saúde Mental. No caso do Caps, são atendidos pacientes psiquiátricos de nível moderado a grave, além de usuários de drogas, preferencialmente acima dos 18.

“Temos 180 cadastrados para fazer as oficinais terapêuticas, as atividades de grupo e atendimento psicológico (suspensos neste momento por conta da pandemia). Conforme a patologia, a gente agrupa os pacientes e é feita essa divisão. Temos supervisões nas sextas para discutir e atualizar isso. Ele (o paciente) aprende a tomar banho, escovar os dentes, aprende a ter renda, artesanato, a ter noções de cidadania”, explica o enfermeiro e coordenador do Caps, Vinícius Karpavicius da Luz.

WhatsApp Image 2020-09-25 at 15.50.13 (3)O Ambulatório de Saúde Mental, que funciona na mesma estrutura do Centro de Assistência, recebe a comunidade de maneira ampla. Por ser “porta aberta”, o número de cadastrados também soma: são mais de oito mil pessoas. “Se você chegar, terá um destino. Não fica sem resposta. Tem casos que vão para a UPA, ou vem do postinho. Rebemos pacientes de vários lugares”. Entram na lista de assistidos, por exemplo, depressivos, bipolares e menores de idade.

Já em Porto União, além do Caps, a Secretaria da Saúde criou em 2017 o Núcleo de Álcool e Drogas, composta de uma equipe de saúde mental para atender principalmente aos alcoólicos e drogaditos. O Caps atende 170 pessoas cadastradas e o Núcleo, 116. Como em União, a cidade também conta com um serviço de ambulatório de Saúde Mental para as pessoas que precisam da continuidade na manutenção da reabilitação ou, precisam ter acompanhamento medicamentoso.

Embora os tratamentos não garantam cura, equalizam a deficiência e as alterações comportamentais. Assim, a medida que evoluem, os pacientes recebem alta. Como todas as cartilhas sobre o tema, a participação e apoio familiar. Soa demagogo, mas é real: quando a família apoia, fica tudo mais fácil.

Além destes ambientes, as unidades de saúde podem ser um socorro, bem como o Corpo de Bombeiros e no caso da região do Vale do Iguaçu, o União Pró-Vida, grupo voluntário que ouve e tenta ajudar quem precisa de apoio. Nacionalmente, o Centro de Valorização da Vida (CVV) tem ligação gratuita para o 188, atua com total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.

Era sol o que faltava

O sol – responsável por metabolizar o cálcio e o fósforo no nosso organismo – também ilumina a mente. Especialistas mostram que além da deficiência no organismo, ficar algum tempo sem ver o sol, também entristece. “Pela ausência dele desencadeamos da falta de neuro químicos. Com menor liberação de serotonina, endorfinas, substâncias neuroquímicas ou hormônios que produzem sensação de bem-estar”, explica a infectologista no Vale do Iguaçu, Suzanne Pereira.

Mas, e quem mora em uma região onde o sol é raridade? Como fica? Para ficar com a saúde em dia e a mente equilibrada, existem alternativas. O Ministério da Saúde recomenda, por exemplo, o consumir de alimentos como leite, fígado e peixe. Quando o sol aparecer, aproveite. O ideal é ficar exposto de 15 a 20 minutos pelo menos três vezes por semana. Ainda, é possível comprar vitamina D em forma de cápsula, vendida em drogarias. Conforme apurou a reportagem, ela pode ser consumida por crianças e adultos. O produto é vendido sem receita médica, porém precisa ser ingerido com moderação. O custo de um frasco que dura em média 30 dias, varia de R$ 27 a R$ 70.


Manu

Para quem fica, especialmente para quem perdeu alguém muito próximo, o saldo é de saudade e não raro, de uma profunda sensação de impotência. Dados do Conselho Federal de Medicina apontam que cerca de 60 pessoas sejam afetadas em cada morte por suicídio.  Sobram porquês.

Emanuela (3)

Foi pensando em tudo isso que a universitária e cantora, Daiara Damaceno (Dada), escreveu a música Emanuela. A canção é dedicada à amiga de cabelos azuis que empresta seu nome à letra. Ela morreu há um ano, vítima do suicídio. Daiara aproveitou o Setembro Amarelo, mês de falecimento da amiga e curiosamente quando o suicídio é tema de ações de mobilização, para publicar em sua rede social o clip da canção pronta desde o ano passado. Ele reúne fotos da amiga, uma declaração de amor por ela e um pedido: “você não precisa morrer para acabar com aquilo que te rasga o peito”.

Emanuela (2)“A Manu nunca demonstrou sintomas de uma pessoa suicida. Nunca esperávamos essa atitude. Não tinha um motivo especifico. Depois que o pai dela faleceu (no começo de 2019), a relação dela com a mãe, que já era boa, ficou ainda melhor. Ela não gostava de deixar a mãe sozinha. Ela trabalhava, estava feliz. Talvez só na faculdade ela estava se sentindo meio pressionada, mesmo com a mãe até sugerindo dar um tempo e tal. No dia em que ela tomou remédio, ela me mandou uma mensagem de que tinha feito m****. Quando a gente recebeu a mensagem, uma das nossas amigas foi na casa dela. Logo a Manu foi levada para o hospital e eu fui para lá também. Ficamos lá, o tempo todo”, contou Daiara.

Emanuela Tracz, a Manu, tomou uma grande quantidade de medicamentos e conforme os amigos, ainda no hospital, mostrava arrependimento. No entanto, mesmo após os procedimentos médicos, a jovem de 19 anos não resistiu e faleceu. “Manuzinha queria viver, e eu sei que é isso que você quer também. Você não quer morrer, você só quer colocar fim na sua dor. Então, por favor, não desista, você vai conseguir sair dessa e viver o melhor da sua vida, mas calma, calma, a vida sempre continua…”, escreveu Daiara na descrição do seu vídeo no YouTube