Sem presídio, bandidos andam

Entenda porque Porto União encarcerou meliante que foi solto em União da Vitória

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Atualizado há 4 anos

Não é de hoje que o sistema carcerário nacional é uma questão que se arrasta como um problema sem fim. Já classificado como “medieval”, em 2014, pelo ministro da Justiça à época, José Eduardo Cardozo; em 2020 as críticas seguem as mesmas: superlotação, falta de infraestrutura, atuação do crime organizado internamente, motins, entre outros.

Recentemente o assunto voltou ao centro das discussões no Vale do Iguaçu depois que um jovem que foi preso em União da Vitória por cometer vários crimes, ganhou as ruas rapidamente no lado paranaense e após uma forte reação de empresários locais, foi preso e ficou encarcerado em Porto União.

A reportagem do portal Vvale ouviu profissionais do setor de segurança para entender o que aconteceu e levantar os problemas e fatores que ajudam a nortear a discussão, como a dinâmica estrutural e o fluxo prisional entre as cidades de União da Vitória no Paraná e a vizinha Porto União em Santa Catarina.

Entenda o caso

João Henrique Correia Mazur, de 20 anos, envolvido em crimes de furtos e arrombamentos em choperia, pizzaria, imobiliária, igreja e uma distribuidora em União da Vitória; foi preso no dia 28 de agosto, pela Polícia Militar, no bairro Cristo Rei. Policiais ouvidos pela reportagem informaram que o meliante chegou a cometer mais de dois furtos em uma mesma noite na cidade.

Seria apenas mais um bandido preso não fosse pela decisão proferida pela Justiça do lado paranaense, de forma considerada muito veloz, e que tangeu em sua soltura, gerando a revolta dos comerciantes da cidade.

João Henrique foi solto sob a alegação de que não era reincidente em crime doloso, mesmo depois de ter sido preso em flagrante por três vezes (a pena não supera quatro anos) e por este motivo, a liberdade provisória foi concedida em seu favor.

JOC_distancia_presidiosApós a liberdade, o jovem voltou a cometer crimes e desta vez do lado catarinense. Como havia cometido um furto em uma escola particular na área central da cidade, ele foi preso novamente, desta vez a pedido do Ministério Público do lado de Porto União, por meio do promotor e Coordenador da Comarca, Rodrigo Kurth Quadro, com decisão assinada pela juíza Andrea Regina Calicchio.

O jovem permanece preso na Unidade Prisional Avançada (UPA) de Porto União neste momento.

Insegurança e impunidade

A descrença na liberação do rapaz e o aumento dos crimes contra comerciantes, originou a confecção de uma carta que seria endereçada ao Ministério Público e a outros poderes e que circulou – entre 28 de agosto a 1º de setembro, nos estabelecimentos comerciais do Vale do Iguaçu cujo objetivo era o de colher apoios para um manifesto em prol de segurança local.

JOC_linha_do_tempo_presidiosA carta, que não foi assinada por nenhuma entidade, mas individualmente por comerciantes, foi endereçada às Prefeituras de União da Vitória e Porto União, Policias Militar e Civil, além das Câmaras de Vereadores dos municípios, e mencionava a preocupação e o repúdio quanto aos constantes assaltos que “têm ameaçado a segurança e tranquilidade dos comerciantes locais e moradores das cidades”. O Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de União da Vitória também fez parte da mobilização.

Cadeia improvisada

A cadeia municipal fica no centro da cidade, na rua Marechal Deodoro, próximo de um posto de combustível e da Associação das Crianças e Adolescentes de União da Vitória (Acauva), da rodoviária e de outro estabelecimento de ensino. Sua localização é também importante elo dos moradores, dos bairros Rocio, São Basílio Magno, Limeira, Vice-King (Porto União), entre outros, com o centro da cidade. Por ali circulam diariamente centenas de crianças, jovens, adultos e idosos.

Cada preso no momento ocupa no máximo três metros quadrados na cadeia, porém segundo o delegado chefe da 4ª SDP, André Luis Vilela, a Lei de Execução Penal prevê seis metros quadrados para cada preso, conforme seu artigo 88, que diz ainda que a cela deve conter dormitório, aparelho sanitário e lavatório; algo muito longe da realidade.

E não é de hoje que o delegado se diz favorável a construção de um presídio. Entende ser um projeto urgente e de extrema necessidade. Segundo ele, o objetivo do encarceramento é, além da punição do ato cometido, também a ressocialização do indivíduo apenado, porém com condições dignas.

O que dizem as autoridades

Em recentes debates sobre o assunto, a comunidade recusa a vinda do presídio para União da Vitória porque isto projeta a desvalorização da região e amplia a sensação de criminalidade. Outras pessoas ouvidas e ligadas a segurança pública, disseram que a comunidade teme que as famílias dos presos acampem próximo ao presídio.

A ideia da construção de uma unidade prisional em União da Vitória seria de um projeto arquitetônico moderno, com equipe de funcionários, podendo fazer parcerias com as instituições de ensino nas demandas odontológicas, psicologias, serviço social, entre outros, com aposta na geração de empregos diretos e indiretos.

É evidente e não apenas como realidade de União da Vitória e região, as reclamações de que a polícia prende e o juiz solta. Porém, os dados sobre alojamentos mostram que não existe um lugar adequado para colocar um indiciado por tráfico de drogas, por exemplo, ou outros delitos, o que mantém o círculo vicioso: a pessoa é liberada e muito possivelmente retorna a cometer os mesmos crimes, pois não possui nenhum processo de cumprimento de pena na prática.

Em São Mateus do Sul

Ainda, em 2018, autoridades de São Mateus do Sul apoiaram a iniciativa da construção do presídio. A Delegacia de Polícia Civil de lá, sendo a 3ª SDP, passou pelo mesmo problema que a 4ª SDP de União da Vitória. Com presos aguardando julgamento e outros cumprindo pena, o local também virou alvo de superlotação e constantes fugas. Naquele ano, em entrevista à CBN Vale do Iguaçu, o prefeito de São Mateus do Sul, Luiz Adyr, viu com bons olhos a construção de um presídio na região. Em sua opinião disse que não adiantaria se opor e ver os presos amontoados, pensando dia e noite em rebelião ou fuga. “Um presídio regional traria a segurança necessária e a tranquilidade para as delegacias da região”.

Quem vai preso em União da Vitória?

Todos os detidos nas cidades ao redor atendidas pela 4ª. SDP são encaminhados ao município.

(Foto: Arquivo).
(Foto: Arquivo).

O delegado Vilela explica que, segundo a Constituição Federal, a pessoa só pode ser presa em *flagrante delito ou mandado de prisão expedido pela autoridade judiciária. “Existem duas situações: quando a pena máxima do crime é igual ou inferior a quatro anos, a autoridade policial arbitra uma fiança (pagando a fiança é imediatamente solta), neste caso embriaguez ao volante, conforme o artigo 306 do Código de Trânsito. No caso de não pagar a fiança, o flagrante é encaminhado ao juiz, que após parecer do Ministério Público, homologa ou não o flagrante, e via de regra expede o alvará de soltura. E, quando a pena máxima do crime é igual ou superior a quatro anos, como por exemplo o roubo, estupro, homicídio, o infrator é preso em flagrante. Após a autuação, o auto de prisão em flagrante delito, é encaminhado ao Juiz, que após parecer do Ministério Público, ou concede liberdade provisória ou decreta a prisão”.

JOC_presidio_uva_revisadoExplica ainda que quando um adolescente – neste caso de 12 a 17 anos é apreendido cometendo ato infracional, existem duas situações: a conduta por ele praticada não é mediante violência ou grave ameaça – como por exemplo furto, receptação, ele responde um procedimento de ato Infracional (a princípio em liberdade). Mas responde perante a Vara da Infância e Juventude; e quando é apreendido em flagrante de ato Infracional com violência ou grave ameaça (exemplo: roubo, estupro, homicídio) ele é autuado, fica apreendido por no máximo cinco dias na delegacia.

(Foto: Arquivo).
(Foto: Arquivo).

Os autos são encaminhados ao juiz da vara da infância que pode, após manifestação do Ministério Público, decretar a internação provisória do adolescente. Neste caso, irá para um centro de reeducação.

Quando é comportamento praticada por adolescente, a norma legal que se aplica é o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Agora, quando se trata de conduta criminosa praticada por maior de 18 anos, a norma legal que se aplica é o Código Penal.

Sobre a transferência de presos, o assunto é de responsabilidade do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen).

QUEM VAI PRESO EM PORTO UNIÃO?

Segundo o gestor da Unidade Prisional Avançada de Porto União (UPA), Clerison Luís Coelho, após a polícia militar efetuar a prisão de um indivíduo, ele é conduzido até a delegacia da Polícia Civil onde é confeccionado um Boletim de Ocorrência (BO).

(Foto: Arquivo).
(Foto: Arquivo).

Depois, a polícia o conduz até a UPA, sendo verificada toda a sua documentação junto com a *nota de culpa, auto de prisão em flagrante e exame de corpo de delito. Também é feito o cadastro do preso no Sistema de Informações Penais e entregue um kit de atenção básica com uniforme padrão, cobertor e um colchão.

“O preso é alocado na cela de triagem onde fica dez dias, sendo que agora com a pandemia ele fica isolado por 14 dias, caso apresente sintomas de Covid-19”, explica.

JOC_presidio_pu_revisadoA Unidade conta com 16 celas para presos do regime provisório e fechado, dois barracões para presos do semiaberto que trabalham fora e dentro da unidade, uma sala de atendimento odontológico, uma sala de atendimento médico e duas salas de aula.

“É ofertado aos presos do regime fechado a oportunidade de estudo e remição por leitura. Os presos do regime semiaberto em contrapartida, trabalham na empresa Abbaspel Indústria e Comércio de Papéis e para a prefeitura de Porto união”.

Para a administração municipal o trabalho é de manutenção das vias públicas, roçadas, conservação de parques. Já na empresa Abbaspel, que fica na Área Industrial, o trabalho é com produção de papel.

“Muitas vezes, após o preso ganhar a liberdade e, por ter desempenhado um bom trabalho na empresa, ele é contrato com carteira assinada”, lembra.


ENTENDA:

  • CENTRO DE DETENÇÃO PROVISÓRIA: locais onde ficam os presos que aguardam julgamento.
  • PRESÍDIO: estão detidos aqueles que esperam por julgamento. Normalmente também os criminosos mais comuns.
  • PENITENCIARIA: são detidos os condenados ao regime fechado.
  • PRESÍDIO FEDERAL: É onde ficam os chefes de facções criminosas e presos de maior periculosidade.

Saiba mais

  • Liberdade provisória – é pedido que se faz contra prisão em flagrante, já que se preso preventivamente, a medida adequada é o relaxamento ou a revogação.
  • Flagrante delito – é um termo jurídico usado para indicar que um criminoso foi pego no momento em que cometia um crime.
  • Infrator recebe a nomenclatura de investigado ou indiciado.
  • Ação penal (processo na justiça) recebe a nomenclatura de réu.
  • quando o réu recebe sentença com trânsito em julgado, (que não cabe mais recursos) ele recebe a nomenclatura de condenado.
  • nota de culpa – É um documento que dá ciência ao preso dos motivos de sua prisão, do nome do condutor e das testemunhas.

Presídio por R$ 10 milhões

A reportagem consultou um arquiteto que trabalha com a área pública e que em breve análise, acredita que o recurso possa sim ser suficiente para uma construção razoável, sendo que o metro quadrado da construção, que exige mais concreto e ferro sairia por aproximadamente R$ 5 mil. Este tipo de construção encarece pela robustez da infraestrutura necessária.

“O valor parece bem no limite. Com base na ideia inicial de abrigar 216 presos, isso daria algo em torno de uns 500 m2 somente de cela. Aí temos mais o refeitório, em torno de outros 500 m2, mais a circulação, acessos, operacional, banheiros. O orçamento me parece dentro da realidade, um pouco para menos”, explica.

Segundo o profissional, a construção do presídio é um desafio para a arquitetura brasileira, pois não há nomes especializados nessa demanda.

“É um projeto que deve ser todo pensado e repensado. É uma obra que necessariamente e naturalmente sai cara, independentemente do sistema construtivo. Seu interior necessita de reforço e muito concreto”.

O investimento necessário (verba) ou boa parte dele, para a construção do presídio, seria originário de um fundo federal. Ao estado sobrariam contrapartidas como a parte administrativa, ou seja, funcionários. Ao município caberia a doação de uma área específica com a metragem adequada para a construção, cujo ato precisaria da aprovação da Câmara de Vereadores.