Espaço Cultural: 1983 – A Grande Enchente

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Atualizado há 11 anos

Therezinha Wolff

Fatos que vivenciamos e gostaríamos não o tivéssemos feito, permanecem na memória como se recentes fossem.

Há três décadas precisamente no mês de julho, 1983, sentimos de perto o torpor que se apossou da população de Porto União, União da Vitória e municípios vizinhos, por ocasião da grande enchente.

Sem energia elétrica, água potável e a falta de gêneros alimentícios, o leite, as verduras e frutas, a situação podia ser comparada a um período de guerra, quando sem estarmos presente vivenciamos os efeitos do segundo conflito mundial, enfrentando a carência de açúcar, óleo, combustível e a tristeza dos familiares que tiveram seus filhos embrenhados na luta.

Morando em Curitiba vim para a minha cidade fazer companhia para mamãe quando, infelizmente, fiquei sitiada e acompanhei o drama da grande enchente de 1983.

De volta a Curitiba meu coração apertado sentia a necessidade de fazer algumas coisas em prol dos irmãos que aqui ficaram.

A primeira providência foi telefonar ao secretario Deny Schwartz, ex-colega de ginásio e contar o que vira por aqui para que ajudasse naquilo que lhe fosse possível, dentro da política.

Entrei em seguida em contato com a senhora Arlete Richa, consegui autorização através da Secretária de Educação do Paraná, senhora Gilda Poli, para fazer uma campanha junto as escolas de Curitiba angariando roupas de banho e cama para doação aos professores aqui atingidos pelas águas.

O atendimento foi espontâneo e cada uma das escolas enviou junto ao material arrecadado uma mensagem de apoio moral aos professores.

Uma Kombi da Secretaria de Educação do Estado do Paraná deslocou-se até União da Vitória e na então Inspetoria de Ensino, foi feita à entrega aos professores atingidos pela catastrófica enchente.

Tentei através de correspondência entrar em contato com órgãos de imprensa, inclusive com a revista Veja, em carta que peço ao leitor, leia a seguir comparando o que pensávamos em 1983 com o que temos hoje quando enfrentamos mais uma pequena enchente:

Curitiba, 20 de julho de 1983.

Exmo. Sr. Diretor de Redação Veja.

Este é um apelo.

Lendo a reportagem da revista Veja “O Sul na Guerra das Águas” revivi o drama sofrido em Porto União e União da Vitória as “Cidades Gêmeas do Iguaçu” do dia 7 a 17 deste quando lá estive.

Sou professora aposentada, catarinense de nascimento, mas considerando as “Cidades Gêmeas” minha terra mãe.

Nascida e criada em Porto União, trabalhando em União da Vitória, acostumada às enchentes do Iguaçu, nunca estranhei o fato de ver a população “ribeirinha” sair de suas casas por motivos das cheias.

Eram os chamados “flagelados” e que, recebiam sempre, principalmente por ocasião das enchentes, todo o carinho das autoridades locais e de toda a comunidade.

Quando a área foi desapropriada em Porto União e construídas casa pela prefeitura para que os “flagelados” fossem morar na subida do “Morro da Cruz”, “Morro do Monge João Maria”, não houve aceitação por parte dos mesmos, pois estavam acostumados a morar beira-rio (talvez porque comiam melhor quando estavam com a casa alagada).

Hoje, entretanto não foi a população ribeirinha a atingida. Foi a de toda uma nação: mais de 70% dos professores (falo pela classe) ficaram com as casas submersas, médicos, dentistas, advogados, comerciantes, industriais, operários, enfim toda uma população que está desorientada, apática, encolhida. E sabem por quê? Porque nunca viram o Iguaçu tão furioso. Um Iguaçu que não quer retornar ao seu leito e permitir a volta ao lar daqueles a quem ele atirou violentamente às ruas.

Realmente, o diário do arquiteto Itênio Ubirajara Vieira constata o drama que se desenvolve nas cidades atingidas pelas cheias. Quanto mais eu lia a reportagem mais eu me convencia de que realmente as catástrofes apresentam o desespero, a tristeza e a solidariedade como pontos comuns. Os fatos relatados eram aqueles que aconteceram na minha cidade. Faltava apenas falar do trabalho das máquinas ferroviárias (talvez porque em Blumenau não tenha ferrovia) que durante a “noite dos desesperos”, quando a energia elétrica faltava e as águas subiam assustadoramente, as máquinas conduzindo vagões realizaram um intenso trabalho de socorro às pessoas do mais populoso bairro de União da Vitória.

Agora já em minha casa, em Curitiba, vendo tudo que está sendo feito em prol dos desabrigados, com mais calma eu experimento dois sentimentos: gratidão e revolta.

Gratidão por tudo o que temos recebido, pelo amor despertado em todos os brasileiros a nós “irmãos sulinos”. Pela ajuda de todos: nomes famosos e os que preferem ficar no anonimato.

Revolta por saber que diante de tanta desgraça e de tanto desprendimento os donativos enviados com tanto carinho pudessem, muitas vezes, serem desviados, num trajeto às vezes ínfimo, por “robôs” que fazem tudo, mas que desconhecem solidariedade.

Esta carta poderia ser mais longa, pois tal qual poeta, eu poderia falar das belezas da minha terra. Entretanto não é a isso que me proponho e assim devo ser mais prolixa.

Senhores, minha intenção é fazer um apelo. Apelo para que se realize a ponte rodoviária que ligará as cidades à Estrada Transbrasiliana, projetada a anos e até hoje não executada. Sua falta ilhou as cidades ocasionando uma desgraça ainda maior.

 

Apelo pela concretização do ideal de um inesquecível prefeito que pretendia um desvio do rio no trecho que contorna as duas cidades.

Finalmente um apelo para que se realize integralmente o projeto da Usina Foz do Areia. Neste projeto as chamadas corredeiras de Porto Vitória poderiam dar vazão às águas, se destruídas. Crime ecológico? E porque não se pensou nisso antes da Construção da Usina.

Senhores, eu era modesta diretora do ginásio Estadual Casimiro de Abreu, situado às margens do Iguaçu em Porto Vitória quando ao solicitar verba para reparos no prédio obtive como resposta: “o prédio não receberá melhoria porque ficará submerso com a construção da Usina Foz do Areia”.

São muitos os moradores que transferiram suas casas para um ponto mais alto da região de Porto Vitória, uma vez que o acesso de União da Vitória até aquele município (20 km) seria outro. E a romântica estradinha que liga os dois municípios estaria submersa, quem sabe, não de todo, mas nas partes que dariam maior vazão as águas.

As cidades estão enlutadas.

O coração dos porto-uniãovitorieneses está dilacerado. Mas o drama ha de passar e se Deus quiser o sol iluminará novamente os dias lindos de um pedacinho deste Brasil grandioso. Deus permitirá que a vontade de viver possibilite às pessoas refletirem sobre a importância da natureza, unirem as forças e refazerem o que já não existe.

Se posso fazer o apelo através dessa Revista, falando com a permissão da comunidade para que as pessoas responsáveis, se não de todo, pelo menos na parte que lhes compete, realizem o que deveria e não foi feito para evitar que novas chuvas terminem de vez com nossas cidades: a execução completa do projeto Usina Foz do Areia e uma nova ponte rodoviária para ligar as cidades à Estrada Transbrasiliana.

Muito obrigada e que Deus recompense aquelas que tanto amor nos tem dado.”

Obs: Está é a carta redigida em 1983. De lá para cá muita coisa aconteceu, mudando pensamentos e ações.

Em 1992 uma nova enchente e, já de volta a Porto União, participei encabeçando a Força Feminina do Vale do Iguaçu.

Muitas novidades então aconteceram e sem muito me alongar deixo o assunto para a próxima semana.