NA VILA: Sem luz e água Biblioteca Popular padece por falta de estrutura

Espaço recebe cuidados diários de voluntários, mas nem tudo funciona sem dinheiro. Falta pintura, janelas e novas prateleiras

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Atualizado há 8 anos

De clássicos a títulos regionais: livros na Biblioteca Popular podem ser emprestados de graça sem muita burocracia
De clássicos a títulos regionais: livros na Biblioteca Popular podem ser emprestados de graça sem muita burocracia

As poucas prateleiras, tortas, num estilo Oscar Niemeyer – apelidado pelos voluntários – sustenta cerca de 5 mil títulos. Todos de doação, parte da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ou por quem ajuda na Biblioteca Popular, que fica em uma casa ocupada na Vila dos Ferroviários em União da Vitória. O espaço é um encontro entre literatura e discussões de frentes sociais da juventude. A Biblioteca está por conta da UJS, UNES e UMES, que colocam voluntários em certos momentos do dia para cuidar do lugar. “A juventude vem aqui, corta grama, limpa as estantes, organiza”, conta o Paulo Cesar Pires do Prado, um dos voluntários e representante da UJS.

Paulo está nessa história desde o início, em setembro de 2013, quando a Administração de União da Vitória iria realocar cerca de 40 famílias que moram na Vila para conjuntos habitacionais. Na época a explicação para a desocupação era que a Rede Ferroviária, quando parou com as atividades e passou para a União, ficou devendo ao município R$ 1 milhão em impostos. Segundo a diretora-presidente da Companhia de Desenvolvimento de Habitação (Ciahab), Marilda Machnicki, em entrevista ao O Comércio ainda na época, a área é legalmente da prefeitura e que em 2001, um ano depois do fechamento da Rede, a prefeitura completou o valor dos impostos.

Ainda segundo a diretora da Ciahab, havia um projeto para o local que previa a construção do Centro Cívico. No lugar das casas, a construção do novo Fórum, ampliação de entidades de ensino, construção da Câmara de Vereadores, Associação Comercial e a exploração imobiliária. Do outro lado, famílias e a união da força da juventude, que brigaram pelo espaço, afirmam que a única intenção da Administração era desocupar para verticalizar. “Eles iam retirar as pessoas de suas casas para destruir e construir outras casas para vender”, dispara Paulo.

"A Biblioteca não empresta só livros, traz a juventude para ser protagonista de cultura nesse espaço"(Foto: Bruna Kobus/Jornal O Comércio)
“A Biblioteca não empresta só livros, traz a juventude para ser protagonista de cultura nesse espaço”, diz Paulo (Foto: Bruna Kobus/Jornal O Comércio)

Contudo, apenas duas famílias cederam, o que fragilizou as outras que continuaram no local. Aí entram os estudantes. “O presidente da associação ligou para nós e pediu que ajudássemos. Viemos aqui e ficou combinado que ninguém destruiria a casa e a gente (Movimento Estudantil) ficaria para que isso não acontecesse”, lembra. No entanto enquanto barracas eram montadas ao redor dos dois imóveis, funcionários terceirizados da prefeitura estavam atrás do terreno esperando para continuar a destruição. Apenas uma casa foi demolida. Na época a presidente da Ciahab informou que as casas ficariam com sinalização de interdição e logo seriam demolidas para evitar que houvesse ocupação das famílias que haviam sido retiradas.

O impasse demorou alguns meses, suficiente para criar um desgaste que tomou conta do Poder Público e logo cedeu aos pedidos das famílias e jovens que ainda permaneciam no local. Ninguém mais sairia de casa, mas as outras duas ficariam para cuidados do movimento estudantil.

Foram pouco mais de 12 meses até que a Biblioteca Popular se estabelecesse por completo. “Não pode ter apenas a ocupação, mas uma ocupação com atividade”, comenta Paulo. Assim as doações começaram a surgir e as atividades foram sendo tacitamente divididas entre os voluntários. Hoje o espaço funciona somente durante o dia, pois água e luz não tem na casa. O único banheiro que poderia ser utilizado, do lado de fora, foi colocado abaixo há dois anos, ainda durante a briga entre famílias e prefeitura.

As paredes de madeira da Biblioteca estão com a tinta descascada, em alguns cômodos a situação do imóvel antigo foi contornada com bandeiras penduradas e até adesivos. Mas ainda é pouco. As prateleiras onde ficam os livros são improvisadas em caixas de frutas e pedaços de madeiras que os voluntários trazem de casa ou encontram com outros amigos. Recentemente, conta Paulo, um colega, dono de Sebo na capital, doou para a Biblioteca algumas estantes do antigo empreendimento. Talvez um dos únicos móveis novos que o espaço vai ter. Algumas janelas também estão quebradas.

Biblioteca Popular: sem dinheiro para manutenção, Movimento Estudantil pede por ajuda
Biblioteca Popular: sem dinheiro para manutenção, Movimento Estudantil pede por ajuda

O grupo pede colaboração, uma “mão amiga” que ajude “na solidariedade”. “Não somos como um sindicato que tem seus filiados e todo mês tem uma porcentagem do salário revertido. Fazemos a luta diária pela ideologia, pelo que acreditamos”, explica Paulo. “O movimento estudantil não tem dinheiro para trocar vidro, pintar uma parede Nós cuidamos da Biblioteca, mas pedimos alguma ajuda para manter, seja um amigo que você conheça e mexa com vidros e janelas, que possa diminuir o preço ou trocar na amizade”, comenta.

“A biblioteca é uma intervenção cultural real, um espaço onde você tem uma ocupação urbana que construiu uma biblioteca popular para a juventude, que não tem toda a burocracia para emprestar livro. Queremos trazer a juventude para ser protagonista de cultura nesse espaço”, argumenta Paulo.

Para ajudar o movimento e até mesmo doar ou emprestar livros da Biblioteca o endereço fica na Marechal Deodoro, logo no final do pavilhão da Vila.

Para empréstimos é necessário fazer um cadastro lá mesmo, deixar nome, contato e quando irá devolver o título. A ideia é que o livro fique fora da Biblioteca por pouco tempo. “Vai de quanto tempo a pessoa tem para ler um livro, uma semana, duas ou um mês. Mas ele tem de voltar para que a gente empreste para mais pessoas”, explica Paulo.

Os títulos são variados e até de especialidades médicas tem por lá. Além das coleções e clássicos da literatura como Dom Quixote e obras que contam histórias do Contestado.

 

A Vila

Por décadas ferroviários e seus familiares moraram na Vila. O local acompanhou o nascimento e crescimento de União e Porto União. São dez pavilhões, cada um – em média – com quatro famílias. Por muito tempo quem morou ali pagou o IPTU para a Rede Ferroviária, dona do espaço, e a empresa ficava responsável por repassar o dinheiro. Com o fechamento da empresa o imposto não foi mais cobrado. As famílias tentaram um acordo com a prefeitura, só que não teve resposta, até a tentativa de desocupação há dois anos.

As famílias ainda pagam luz e água normalmente à Copel e Sanepar. Elas também pagavam aluguel à Rede, dinheiro que vinha descontado na folha de pagamento dos ferroviários.

 

  • A reportagem tentou contato com a prefeitura para posicionamento, no entanto, devido ao recesso de final de ano, não havia ninguém autorizado a falar. As famílias continuam em suas casas na Vila e não há sinal de outra tentativa de desocupação. A Biblioteca Popular pode receber o nome do Padre Estevão, responsável pelas feiras de livro Fiel. No entanto esse caminho pode ser um tanto demorado, já que há necessidade de liberação de direitos autorais e outros trâmites legais.