ACIDENTE NA SERRA: Capítulos em Construção

Acidente que matou 51 pessoas em Santa Catarina completa cinco anos. De lá para cá, histórias, obras e intervenções judiciais tomam forma, mas ainda sobram muitos destroços

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Atualizado há 4 anos

curva onde ocorreu o acidente

A Serra Dona Francisca é um cartão-postal da SC 418 e de toda Santa Catarina. Com fauna, flora e todas as caraterísticas dignas de uma área preservada, o endereço emoldura fotos de famílias, de amigos, é endereço para a degustação de um docinho de banana, de um caldo de cana. A Serra é o caminho de boa parte dos paranaenses e das cidades de Planalto, já catarinenses, para se alcançar o sempre paradisíaco litoral.

Foi ali, em uma das curvas que serpenteiam as montanhas da Serra, que no 14 de março de 2015, o ônibus da Costa & Mar, uma empresa turística de União da Vitória, encontrou seu precoce destino final. Do acidente, que aconteceu ainda no começo da curva, mas com intensa descida, o saldo é trágico: 51 mortos.

O fato chocou, enlutou e entrou para a história: trata-se do maior registro de acidente no Estado – o quarto maior do País. A viagem terminaria na praia, mas acabou bem antes de os passageiros tocaram a areia.

Após meia década, sobram destroços. Na verdade, sobrou muito mais do que isso. Albino Schuersovski, lembra muito bem do que viu e sentiu naquele março. Administrador do cemitério de São Cristóvão, um dos maiores de União da Vitória, ele precisou encontrar espaço entre as lápides já exprimidas, para fazer o sepultamento de sete corpos. Foi, segundo ele, um trabalho ingrato, difícil e único em todo seu tempo de trabalho.

sepultamento-são-cristóvão

“Ninguém esperava por isso. Foi um choque para as cidades e para a gente. Na hora foi uma correria. Montei uma equipe minha lá. Ia chegando, a gente só colocava na sepultura e fechava para depois concluir o serviço”, lembra. “Hoje, a coisa serenou. Na minha memória estão aqueles corpos chegando, vários, tudo junto. A gente teve que correr para atender todo mundo”.

Sentiram o drama do resgate e tudo o que o acidente representou, os socorristas. Naquele impressionante dia 14, as equipes tiveram dificuldades em alcançar o local. Por conta da mata, foi preciso acessar os destroços a partir dos imóveis vizinhos. O ônibus da Costa & Mar despencou de uma altura de 120 metros e encontrá-lo, assim como os corpos e quem escapou com vida, não foi fácil. A força-tarefa, imensa: a estrada Dona Francisca precisou ser interditada e 29 viaturas, dais quais 27 eram ambulâncias, foram usadas no atendimento das vítimas.

Acidente-Serra

 

Socorristas relembram o que viram

Bombeiros Alan Teixeira, Leonardo Bargas e Valdinei Borba atuaram na operação de resgate das vítimas e remoção dos corpos na tragédia da serra Dona Francisca (Anna Carolina Lourenço Azêdo)
Bombeiros Alan Teixeira, Leonardo Bargas e Valdinei Borba atuaram na operação de resgate das vítimas e remoção dos corpos na tragédia da serra Dona Francisca (Anna Carolina Lourenço Azêdo)

Jackson Aurélio Anzini, que atua há oito anos no Centro de Bombeiros Voluntários da cidade, foi um dos primeiros a chegar com sua ambulância no local do acidente.

“Passamos no quartel para pegar equipamentos de altura, pois não sabíamos o que iríamos encontrar lá. Ainda deslocando, a central informou que tinha informações de aproximadamente 30 vítimas, então já começamos a nos preparar. Perto do local, a Polícia Militar Rodoviária nos informou que eram aproximadamente 50 vítimas”, recorda.

O bombeiro Anzini disse que foi informado pelos soldados da Polícia Militar Rodoviária, que estavam no local do acidente, que havia uma trilha até o local onde o ônibus se encontrava.

“Então não precisaríamos descer por onde o ônibus havia caído que é uma ribanceira de quase 200 metros. O morador, quando estava nos levando ao local, disse que tinha aberto a trilha naquela semana. A trilha não existia. Ele construiu naquela semana e ônibus caiu bem onde ele havia aberto esta passagem”, acrescenta

“Nós estávamos de plantão no Posto 1, era um sábado, nada de muito ocorrência. O acidente ocorreu às 17h30 e chegamos no local às 18h10. A primeira informação que nos passaram no rádio era que tinha caído um ônibus na serra e que tinha oito óbitos e 51 sobreviventes. Chegando lá foi diferente, tinha oito vivos e 51 mortos”, lamenta o bombeiro Valdinei Valdir Borba.

Todos garantem que jamais irão esquecer as cenas que viram naquele dia.

“Chegamos no local e encontramos algumas pessoas ainda agonizando. Lembro que atendi uma criança de cinco anos que estava no colo da mãe. Tentamos tirar ela, mas, a criança estava encarcerada. Aí meu colega conseguiu liberar as pernas dela e a colocamos em uma ambulância do Samu. Ela foi encaminhada ao hospital infantil pelo helicóptero Águia. Minutos depois tive a informação que ela teve três paradas cardíacas e infelizmente não resistiu”, recorda Anzini.

“Tinha bastante gente gritando, crianças chorando, bastante pessoas agonizando. Tinha bastante sangue, bastante fezes, bastante vômitos, um cenário bem difícil para trabalhar. Estava bem complicado. Foi uma das ocorrências que mais nos abalou. Era um local de difícil acesso e foi complicado de trabalhar por conta do cenário”, completa Valdinei, militar que permaneceu no local do acidente até às 4h10 da manhã.

O bombeiro Leonardo André Bargas, estava na segunda ambulância a chegar no local. Ele se recordou que observou muitas vítimas encarceradas entre as ferragens do ônibus.

“Consegui resgatar uma mulher que estava com várias fraturas pelo corpo com vida. Ela estava consciente. Colocamos ela na ambulância e partimos para o hospital. Na descida da serra fomos abordados pelo helicóptero Águia. Fui junto com ela até o hospital São José e em seguida voltamos para resgatar mais vítimas e quando chegamos fomos informados que não haviam mais sobreviventes”, diz.

Lucas 19:10

Casal ajudou Lucas no resgate: histórias unidas (Anna Carolina Lourenço Azêdo)
Casal ajudou Lucas no resgate: histórias unidas (Anna Carolina Lourenço Azêdo)

Lucas Vieira, hoje com 20 anos, foi o único dos oito sobreviventes (as crianças, por conta de uma nova exposição e da idade não foram contatadas) que aceitou conversar com a reportagem. Na tragédia, ele perdeu a mãe, Sônia, e a irmã, Lauriana. Seu sobrinho, Arthur, que no acidente tinha pouco mais de dois anos, também escapou.

O jovem mudou muito, especialmente por dentro. Amadureceu rápido, se tornou pai, dono de si e das contas para pagar. Lucas encara com lucidez a saudade dos familiares e confessa ser uma pessoa mais fria desde o acidente. Sorrir não é mais tão simples.

“Existe um Lucas antes e um depois. O de antes, era um menino que só pensava em estudar, que tinha a mãe à frente de tudo. Hoje, o Lucas depois do acidente tem um trabalho, tem responsabilidade. O Lucas depois do acidente é uma pessoa muita fria, que age pela razão, que não demonstra sentimento com facilidade. É alguém mais maduro, mas é uma pessoa feliz”, relata.

Lucas Vieira hoje: vida transformada (Reprodução)
Lucas Vieira hoje: vida transformada (Reprodução)

Por conta do acidente, Lucas ficou sete dias hospitalizado e três meses na cadeira de rodas. Machucou o ombro, a perna, o pescoço, o rosto, a alma.

“Lembro do acidente. Eu estava acordado. Lembro de todo o desespero e lá embaixo, lembro…fui eu quem pediu socorro quando caímos lá embaixo. Eu pulei do ônibus, pedi socorro na estrada…”.

Na estrada, Lucas, ensanguentado, com o fêmur exposto, encontrou anjos. Era o casal Jackson Mizomo e Sirlene Sikorski, que estavam passeando pela Dona Francisca naquele 14 de março. Eles estavam no antigo mirante da serra, pouco acima do local do acidente.

“Decidimos ir embora por volta das 17 horas. Na penúltima curva vi dois carros parados e fiquei preocupado. Parei para perguntar se eles precisavam de alguma coisa e eles contaram que um ônibus havia caído ali naquela curva uns três minutos antes”, recordou Jackson.

Após chegar minutos depois do acidente, Jackson decidiu descer até o local da queda. Ele se recordou que ainda dava para ouvir o barulho do motor do ônibus ligado.

“Chegando no local foi procurar a frente do ônibus, para desligar o veículo por medo de explosão com vazamento de combustível, mas não tinha frente, estava totalmente destruído. A única forma de desligar foi afogando o motor. Eu subi no ônibus e vi todas as pessoas, escutei uma mulher gritando, pedindo socorro, para ajudar o filho dela, eu a acalmei e nisso ouvi minha esposa a começar a gritar meu nome lá de cima. Na hora pensei que haviam batido no meu carro e corri lá para cima”.

Por conta da emoção e do impulso, Jackson não se deu conta, mas passou por Lucas Vieira no momento em que descia a ladeira. Lucas, foi o único que conseguiu sair sozinho do ônibus. O jovem, então adolescente, ligou para o resgate e alcançou a rodovia. No percurso, encontrou Sirlene.

“Foi chocante porque não sabia ao certo o que tinha acontecido. Um homem que subiu do local disse para eu não descer porque eu não estava preparada para ver o que tinha lá em baixo. De repente aparece um menino todo sujo de sangue, lembro que ele estava apenas de cueca e com uma ferida muito grande na perna, que deixou o fêmur dele amostra”, conta a mulher.

Jackson e Sirlene pediram ajuda a mais uma pessoa e carregaram Lucas no carro.

“Começamos a descer a Serra. Ligamos o alerta e fomos conversando com ele para acalmá-lo e não deixá-lo desmaiar. Paramos a primeira ambulância que encontramos subindo e dissemos que estávamos com uma vítima do acidente. Eles falaram para gente levar ele até o hospital. Andamos mais uns dois quilômetros e encontramos outra viatura de resgate dos bombeiros, paramos eles e pedimos para que eles fizessem um curativo na perna do Lucas, que estava sangrando muito”, salientam.

Foram os próprios Jackson e Sirlene que levaram Lucas o hospital.

“Foi tudo muito rápido. Chegamos ao hospital São José cerca de 20 minutos depois de resgatarmos ele. Aí avisamos os médicos que havia caído um ônibus na serra e que o menino que estava com a gente era a primeira vítima. Deixamos ele lá no hospital e falamos para ele que no dia seguinte iríamos lá ver como ele estava”, contam.

Foi usando uma camiseta de cor vermelha, com a mensagem de que Jesus salva, que Jackson contou à reportagem do jornal A Gazeta como ele e a esposa também salvaram. A roupa continha ainda a inscrição de um versículo bíblico. Era, curiosamente, o livro de Lucas, o discípulo que na época de Cristo, era médico. Abrindo a Bíblia no capitulo e versículo mencionado, impossível não sentir arrepios:

“Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido”

Família contabiliza mortes

Familia-Dona-Nilze
Nora e filha de Nilze Almeida: no quebra-cabeça familiar, faltam peças (Mariana Honesko)

Sobreviver parece ser a palavra que define os dias pós-acidente na família Almeida. Desde o episódio, as peças mudaram de lugar. Saiu de cena, por exemplo, dona Nilze, ouvida pela reportagem logo nos primeiros meses do acidente. Ela faleceu em outubro de 2019, deixando uma nova cicatriz no coração de quem tinha na matriarca, toda sua força e tranquilidade.

“Ela ficou muito abalada depois do acidente, entrou em depressão. Ela passou muito tempo para baixo. Não tinha mais força. No acidente ela perdeu quatro familiares dos seis que estavam no ônibus. Morreu a bisneta, a neta, a nora e o filho”, conta uma das noras, Ângela Aparecida.

Já com alguns problemas de saúde e ainda sentindo a perda de um outro filho um dia antes do acidente (o corpo dele foi encontrado no rio Iguaçu e nenhuma outra explicação foi dada à família), Nilze sucumbiu.

“Foi um desespero na época. Ela decaiu, teve depressão”, concorda uma das filhas, Gislaine Fátima. Para a família, o acidente na Serra foi um marco.

“Todo mundo ficou abalado mas tem que seguir em frente. Quando apaga a vela, não adianta mais. Basta um vento. Tem que viver o hoje, não tem jeito. A mãe era o nosso pilar, agora ela descansou. Ela parou de viver no dia do acidente”, emociona-se a nora.

Nilze, mãe de dez filhos e então viúva há 33 anos, foi perdendo tudo – e toda sua esperança. Em outubro, aos 67 anos, chegou sua vez. Para quem ficou, a certeza é de que a matriarca descansou e de que em um lugar muito bom, vela por quem ainda cumpre sua missão.

Justiça

 

 

Até o que apurou a reportagem, a empresa Costa & Mar jamais fez outra viagem depois daquele 14 de março. Basta ver para entender o porquê – ou um dos porquês. Um pátio grande, que fica ao lado de onde era o escritório, no distrito de São Cristóvão, em União da Vistora, amarga o abandono.

Quatro ônibus exibem apagadas logomarcas. Em torno dos pneus, cresce mato. Os vidros estão empoeirados.

A empresária Maria Gaias, dona da Costa & Mar, se recusou a falar com a reportagem. No acidente, ela perdeu seu marido, Cérgio, motorista do ônibus, e seu filho mais novo. Respondendo a um contato via rede social, Maria limitou-se a dizer que o assunto ainda lhe causa dor.

“Agradeço o interesse, mas no momento, não seria possível. É um assunto que prefiro não ficar falando pois me traz muitas lembranças difíceis”, escreveu.

O Ministério Público do Paraná (MPPR) investigou o caso. Por nota, o órgão explicou o que já foi feito nestes cinco anos. As ações se concentraram no primeiro ano do acidente (leia a Nota na integra, no quadro).

“A Promotoria esclarece que é por meio da referida ação que se busca a reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais dos consumidores, que se estima em torno da importância de R$ 30 milhões. Além disso, o Ministério Público também ajuizou pedido de alienação antecipada de bens, com objetivo de preservação econômica de bens não disponibilizados, uma vez que sujeitos à deterioração, que também tramita perante a 2ª Vara Cível da Comarca de União de Vitória. Os bens penhorados já foram submetidos a leilão, por duas vezes, mas restou infrutífero, já que não houve arrematação. Assim, há determinação judicial recente para a realização de novo leilão”, diz partes do texto.

Entenda melhor: quando um acidente acontece, existe a responsabilidade penal e civil. A penal apuraria o que levou ao fato, mas pela situação de morte do motorista do Costa & Mar (a participação dele seria apurada), se considera então somente a responsabilidade civil de toda a situação. Isso significa que as famílias das vítimas têm direito à indenização, de acordo com os bens da empresa. O MPPR entrou com ação para que o recurso fosse pago. Embora nenhum valor pague por uma vida, o formato jurídico tenta dar um pouco de alívio às dores de cada história. Vale lembrar que não existe prisão por dívida, logo, o proprietário da empresa não será penalizado por não dispor dos recursos. O processo segue em andamento.
Segundo os sobreviventes, nenhum valor de indenização foi pago até o momento. Eles teriam recebido apenas o recurso do seguro DPVAT que, em caso de morte, paga o teto de R$ 13 mil por vítima falecida.

Ônibus resgatado 6

 


luto 1. 1 Sentimento de pesar ou tristeza pela morte de alguém; 2 Tristeza profunda causada por grande calamidade; dor, mágoa


 

Uma semana do acidente 3
Tragédia: velório das vítimas reuniu amigos, familiares, unidos pelo sofrimento

A imprensa, a comunidade, os amigos, os familiares e todos os envolvidos diretamente ou não com o acidente, viveram o luto coletivo. Desde a noticia do acidente até os comoventes sepultamentos, uma espécie de nevoa invisível cobria o Vale do Iguaçu.

“A saudade é difícil. Mas, sempre dou meu jeito. Elas (irmã e mãe) eram muito importantes para mim, quem estava do meu lado, para tudo. Lidar com isso é insuportável mas tento ser flexível. Prefiro sofrer sozinho. A saudade não passa com o tempo, você só aprende a lidar com tudo isso”, desabafou Lucas.

De fato, o tempo não apaga o sentimento, mas o transforma. Para a psicologia, esse efeito, apesar de dolorido, é natural. Aliás, seria estranho se ele não fosse latente como foi. Mas, no caso do acidente na Serra, a definição do dicionário é simplista demais. Ainda existe mágoa e toda vez que o tema é lembrado, imagens, lágrimas e cenas daquele importante ano de 2015, vem à mente.

“O luto não passa, especialmente dependendo do vínculo que se tem com quem se foi. Ocorre que nós passamos a ‘ressignificar’ a nossa vida a partir do luto. É preciso vivenciar o luto, e não fugir dele. Esse ‘ressignificar’ é o verbo mais adequado do que o superar, por exemplo”, esclarece a psicóloga, Daniele Janiewski. Para ela, embora pareça um contrassenso, é saudável vivenciar o luto. Pular essa fase, no futuro, pode não ser interessante.

Entender o luto assim faz com que o momento ‘tempo’ não seja entendido como um remédio. “Já que o luto não é uma doença. Passamos por perdas. A vida não é permanente. Perdemos pessoas, rotinas, situações. Se o tempo ameniza? Depende se eu fiz o trabalho de luto”.

Dona Francisca

sinalização encoberta pelo mato (4)

A Serra é uma estrada cênica, que liga a região de Joinville a São Beto do Sul, entre as áreas de Mata Atlântica. A estrada tem um trecho curto de curvas bastante sinuosas. São, conforme o site ‘viagensecaminhos’, oito curvas de 180 graus, em um trecho de quatro quilômetros. A Dona Francisca, cujo nome remonta à história de Francisca Carolina, irmã de Dom Pedro II, tem um percurso total de aproximadamente 20 quilômetros. O traçado original da estrada foi aberto ainda em 1858. O objetivo era escoar o comércio de produtos, principalmente a erva-mate, que estava em progresso na época. Hoje a estrada mantém seu traçado original somente na parte da serra.

E é por esse caminho bonito, mas perigoso, que a empresa Reunidas mantém linhas diárias. Uma delas liga Porto União à Florianópolis. No caminho, é preciso passar pela Serra.

“O trecho é bastante perigoso devido às curvas acentuadas, pista mal sinalizada e simples, além de ser estreita. Essas são algumas das críticas que motoristas apontam para o trecho que está na rota das linhas da Reunidas”, diz, por Nota, a assessoria de imprensa da empresa.

Diante do perfil da Serra, os motoristas já sabem como “dominar” o endereço e terminar a viagem com segurança.

“Nossa orientação é que o motorista desça com marcha pesada em baixa velocidade e suba com cuidado a serra, mantendo a distância e a velocidade permitida”, comenta o coordenador de tráfego da Reunidas, José Carneiro.

sinalização encoberta pelo mato (2)

Com pé na prudência, a Reunidas não registra acidentes na Dona Francisca nos últimos recentes anos.

Outros motoristas, de ônibus e de veículos de passeios, não tiveram a mesma desenvoltura. Conforme Paulo César Miranda, comandante do Posto 4 da Polícia Militar Rodoviária, unidade que fica na comunidade de São Miguel, em Campo Alegre, a maioria dos acidentes ocorridos na Serra, ocorrem em virtude da imprudência dos motoristas. Conforme um balanço recente, neste mesmo trecho desde a tragédia com o ônibus, 65 pessoas morreram em 718 acidentes, envolvendo 1.098 veículos, onde saíram feridas 353 pessoas.

Embora o acidente na Serra, com 51 mortos, tenha sido uma ferida na história rodoviária de Santa Catarina, bem antes desde 2015, autoridades, motoristas, moradores das localidades próximas, associações empresariais, conselhos de segurança e a imprensa já cobravam respostas e soluções. Em uma das ocasiões, o então secretário da Infraestrutura, Carlos Hasler, esteve presente em uma reunião em Joinville. Ali, um vereador de São Bento do Sul chegou a ficar de joelhos diante dele, implorando para que o Governo do Estado olhasse para o Planalto Norte.

“Aquela região é perigosa e os acidentes são frequentes. Estamos até acostumados a noticiar acidentes ali. Já vínhamos cobrando do Governo de Estado, já estive pessoalmente em Florianópolis, cobrando o que seria feito. Sempre era aquela história: ‘vamos ver, vamos ver’. Seguramente já são sete, oito anos, cobrando”, contou o editor do jornal A Gazeta, de São Bento do Sul, Marcello Miranda.

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Com o tempo, a pressão do grupo e de outras entidades deu fruto. Decisão tomada em fevereiro deste ano, pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), obriga o Governo de Estado a realizar melhorias na SC 418 no prazo de um ano. Isso inclui a Dona Francisca. A ação do MP foi apresentada em 2018 em Joinville, solicitando uma série de cobranças quanto às melhorias para a rodovia. Uma equipe do MP chegou a fazer inspeção no local e o resultado foi a identificação de deficiências na manutenção, falta de iluminação e ausência de defensas. Um dos pedidos foi de realização de estudo de engenharia de tráfego. Na defesa, o Estado alegou que vinha tomando medidas para a recuperação da estrada, negando omissão que houvesse algum tipo de falta de manutenção. Foi em 2018 que a sentença em primeira instância determinou ao Estado a execução de medidas na SC 418 para garantir as condições de segurança. O monitoramento periódico também foi previsto.

Por Nota, o Departamento de Infraestrutura (Deinfra) confirmou que as intervenções aconteceram justamente no ano passado – e que nada teriam a ver com o acidente de 2015, ainda que na época, o órgão tivesse sinalizado a construção de um projeto de revitalização. Na Serra, foram implantadas barreira de contenção em curva mais acentuais, sonorizados no pavimento e reforço na sinalização. A Secretaria de Estado da Infraestrutura também citou ter executado serviços de manutenção, como tapa-buracos e roçadas.


O ACIDENTE

O acidente virou notícia nacional. Conforme apurou a reportagem, o primeiro ônibus da Costa & Mar quebrou na estrada, na altura da cidade de Mafra. Os passageiros desceram do veículo e no local, esperaram por 13 horas a chegada do ônibus de apoio (o ônibus do acidente). Nessa primeira etapa da viagem, os passageiros ocupavam o ônibus e também uma van, ambos da mesma empresa. Com a chegada do outro carro da marca, houve uma junção e todos os passageiros passaram a ocupar o mesmo transporte. Já no dia 15, todos embarcam.

Em cada banco, uma história e um motivo para estar ali. Alguns tinham a praia como destino final. Outros, um encontro da Umbanda, em Guaratuba. Havia quem aproveitou uma vaga no ônibus para descer ao litoral e finalizar negócios.

Apesar dos destinos diferentes, quase todos os passageiros tiveram os seus caminhos cruzados.

Foi no final da tarde do sábado que o motorista do ônibus de turismo, que era também dono da empresa Costa & Mar, teria perdido o controle do veículo, na segunda curva à esquerda na Serra Dona Francisca, no trecho que pertence à cidade de Campo Alegre.

O Instituto Geral de Perícias (IGP), esteve no Posto 4 dias após o acidente para verificar alguns detalhes do ônibus destroçado.

“Os tambores de freios foram abertos verificando que o motorista só tinha usado o freio a disco e, por isso, o mesmo vitrificou e não aguentou a descida entrando em disparada. Foi constatado também que o motorista tinha ingerido bebida alcoólica, cerveja”, explicou sargento da reserva, Sandro Ludovico Moecke, que na época ocupava o comando da unidade em Campo Alegre.

Também conforme o laudo divulgado pelo IGP, o motorista possuía 1,49 decigramas de álcool no sangue do motorista (a partir de 0,33, o motorista já é autuado e não pode dirigir).

O ônibus viajava com excesso de passageiros, 59, considerando os 51 mortos e os oito sobreviventes. Pelo menos duas pessoas estariam viajando em pé e ninguém utilizava cinto de segurança. O ônibus era da década de 80 e não tinha autorização para fazer aquele percurso. Conforme a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi emitida autorização para que um ônibus da empresa viajasse de União da Vitória para Guaratuba, no Paraná. O motorista, porém, decidiu cortar caminho passando por Santa Catarina.

“Eles deveriam ter ido pelo Paraná, pela estrada da serra da Graciosa, mas, eles vieram pelo nosso trecho e com excesso de passageiros. Inclusive depois do acidente, o Posto 4, tornou-se parada obrigatória para ônibus, onde foi colocada uma placa em frente a unidade policial”, explicou Moecke.


NOTA DO MP

O Ministério Público do Paraná, por meio da 4ª Promotoria de Justiça de União da Vitória ajuizou, em maio de 2016, ação civil coletiva para a defesa de interesses/direitos individuais homogêneos e de responsabilidade do fornecedor de serviços em face da empresa Cérgio Antônio da Costa ME, e do espólio de Cérgio Antonio da Costa, com objetivo de responsabilizar, em caráter genérico a empresa CERGIO ANTONIO DA COSTA ME a reparar os danos materiais e extrapatrimoniais causados a uma pluralidade de vítimas diretas e indiretas, do acidente automobilístico ocorrido no dia 14 de março de 2015, na Rodovia SC 418 (Serra Dona Francisca), no Município de Joinville/SC, envolvendo o ônibus de propriedade da ré, do qual resultou 51 (cinquenta e uma) vítimas fatais, incluindo o condutor do coletivo e proprietário da empresa, além de 8 (oito) lesionados.

A ação tramita na 2ª Vara Cível da Comarca de União da Vitória (Autos: 0005162-59.2016.8.16.0174), já tendo sido requerido pelo Ministério Público o julgamento antecipado do feito, por considerar suficientes as provas já coletadas. A última determinação judicial proferida foi a determinação de intimação da Defensoria Pública, para que apresente manifestação, considerando a incumbência do órgão de exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor.

A Promotoria esclarece que é por meio da referida ação que se busca a reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais dos consumidores, que se estima em torno da importância de R$ 30 milhões.

Além disso, o Ministério Público também ajuizou pedido de alienação antecipada de bens (Autos 0003900-69.2019.8.16.0174), com objetivo de preservação econômica de bens não disponibilizados, uma vez que sujeitos à deterioração, que também tramita perante a 2ª Vara Cível da Comarca de União de Vitória.

Os bens penhorados já foram submetidos a leilão, por duas vezes, mas restou infrutífero, já que não houve arrematação. Assim, há determinação judicial recente para a realização de novo leilão.


PODCAST

A reportagem especial sobre os cinco anos do acidente na Serra marca também um novo capítulo na produção jornalística do Grupo Verde Vale de Comunicação. Pela primeira vez, a matéria está disponível também em podcast uma plataforma atual, que une e entrelaça offs, bastidores e entrevistas. O conteúdo está disponível a partir do portal VVale e reúne informações extras sobre o tema. Estão por lá, por exemplo, os bastidores da cobertura jornalística na época do fato e o impacto da tragédia nas ações de infraestrutura. O material é exclusivo e tem duração de pouco mais de 33 minutos.

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