CEMITÉRIOS: Não é macabro. É história

Túmulos, lápides, datas e arquitetura podem revelar muito mais do que se imagina. Visitas aos cemitérios também ensinam

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Atualizado há 4 anos

Tumulo de Zilda Santos é um dos mais visitados, ao longo de todo o ano. (Foto: Mariana Honesko).
Tumulo de Zilda Santos é um dos mais visitados, ao longo de todo o ano. (Foto: Mariana Honesko).

Um cemitério pode representar coisas diferentes para as pessoas. Há quem o tenha com um lugar de paz. Outros, temem e sequer visitam os túmulos de seus familiares ou amigos. Tem ainda que acredite que o espaço é onde repousam o corpo, mas onde as almas vagam.

Mas, do ponto de vista histórico, os cemitérios são muito mais do que são. Além do encontro de lápides de gente importante, como prefeitos e outras autoridades, a arquitetura das construções e ate a forma com os que jazigos estão organizados, enriquecem o entendimento sobre a cultura de uma cidade, por exemplo. E embora pareça um contrassenso, neste caso, a morte imita a vida.

Nos cemitérios é possível saber quem foi rico, quem foi pobre, quem era desta ou daquela religião. Uma visita ao cemitério pode ser muito mais do que uma reverencia aos mortos ou um jeito imperfeito de matar a saudade. É isso e muito mais.

“Estudar o cemitério é fascinante; revela fielmente a cultura do seu povo”, afirma o professor e historiador Ilton César Martins.

Nesta matéria, o convite da reportagem é para que você leitor, embarque através da leitura e das imagens, em uma visita ao Cemitério Municipal de União da Vitória, o mais antigo do Vale do Iguaçu.

ENTREVISTA

MUITO MAIS QUE UM CEMITÉRIO

O professor Ilton Martins é um estudioso de cemitérios. Inclusive, realiza um trabalho prático dentro deste contexto, que são as visitas guiadas, projetos realizados nos cemitérios municipais de União e também de Porto União. Recentemente, ele concedeu uma entrevista sobre o tema, ao jornal O Comércio e também à rádio CBN Vale do Iguaçu.

Jornal O Comércio (JOC) – Tem muita gente que associa o cemitério com fantasmas, por exemplo. Para o senhor, pesquisador, o que representa o estudo sobre o cemitério?

Ilton Martins (Martins) – Se a gente for analisar a estrutura do cemitério, dificilmente ele está ligado com a religião. Basta a gente lembrar das pirâmides do Egito, que são túmulos. A mais bela declaração de amor foi a construção do Taj mahal (na Índia) que é um mausoléu, uma das obras mais visitadas até hoje. Tem muitos aspectos para cegar aos cemitérios. Pensando nos nossos cemitérios: são uma invenção recente, tem cerca de 370 anos, com essa configuração mais ou menos parecida com os cemitérios de União e Porto União.

JOC – A visitação aos cemitérios vem crescendo como aspecto turístico. É isso mesmo?

Martins – Sim. É a quinta maior indústria turística no mundo. No México, isso é muito mais comum por conta do culto que se tem em torno disso. Lá, a morte não é uma barreira. E aqui em União da Vitória, isso também vem acontecendo.

JOC – Alguns túmulos têm flores. Outros não. Por que?

Martins – No Finados, os cemitérios ficam todos floridos. Agora, há túmulos marcados com flores, esculturas, por exemplo. Mas as flores não são arbitrárias. As flores têm seus significados. É como as correntes que tem em alguns túmulos. Não são para marcar túmulos, mas representam o elo entre o homem e Deus, por exemplo. Originalmente, cada coisa foi pensada. Nas visitas guiadas, as pessoas entendem estes símbolos, toda essa dinâmica. O cemitério representa o mundo dos vivos: as mesmas dinâmicas economias e sociais, tem no cemitério. Na avenida principal, até o cruzeiro, são as famílias tradicionais. No caso do cemitério de União, as familiais tradicionais estão enterradas ali. Depois, você conhece outra situação de família, que são quem veio depois mas teve destaque. Depois, você vê as famílias mais ricas. São aqueles espaços suntuosos, com calçada, com iluminação: exatamente como um bairro burguês. Depois do cruzeiro, desaparecem os projetos de ajardinamento, não tem mais iluminação, não tem mais calçadas. É exatamente como os bairros mais pobres.

Cemitério de União da Vitória e seus visitantes: movimento grande no Finados. (Foto: Mariana Honesko).
Cemitério de União da Vitória e seus visitantes: movimento grande no Finados. (Foto: Mariana Honesko).

UM ROTEIRO NO CEMITÉRIO DE UNIÃO DA VITÓRIA

Coronel Amazonas

O túmulo onde está sepultado o corpo do precursor do desenvolvimento do Vale do Iguaçu – e agora, de boa parte da família – é o grande centro de toda o Cemitério Municipal de União da Vitória. O jazigo, grande e imponente, representa o que foi a família Amazonas para a região. Já da entrada do cemitério, se vê o túmulo, encravado no final do acesso principal, logo atrás do Cruzeiro das Almas. E é por ali, entre a lápide do coronel e da cruz que hoje recebe milhares de preces o ano todo, que o cemitério de União nasceu.  Voluntário na limpeza das lápides, Felipe Abraão, sabe muito sobre este início, já há mais de cem anos. Conforme ele, o corpo de uma criança foi encontrado na altura de onde está o Cruzeiro. E mesmo com a falta de informações sobre este fato, a equipe de administração da cidade, na época, decidiu iniciar ali o cemitério. Portanto, todos os túmulos que estão a frente disso, são mais recentes. Felipe, especialmente após o falecimento da mãe e por ter mais tempo na agenda depois da aposentadoria, gosta de visitar o espaço e de cuidar dos túmulos esquecidos. Decidiu, por conta própria, arrumar o anjo que fica sobre o local do encontro do corpo da criança. Para sua surpresa, durante este trabalho, ele encontrou parte dos restos mortais. “Comprei um caixãozinho, mandei um padre benzer e sepultamos novamente”, conta, emocionado. Desde novembro do ano passado, toda a arrumação do local pode ser contemplada pela comunidade. O novo formato desperta ainda mais a curiosidade dos visitantes que, ainda sem saber direito de todo o contexto, oram, pedindo proteção à alma da criança – e para elas também.

Zilda Santos

Uma romaria marca o 2 de novembro, Finados, á muito tempo. Em silencio, famílias inteiras procuram a lápide de Zilda Santos, uma menina assassinada aos 13 anos, em 1948. Por conta da morte violenta da jovem, a fé aumenta. São inúmeros os relatos de quem recebe benção, graças e outras ajudas espirituais a partir de uma oração feita à ela. Conforme mostra a obra, Zilda Santos, o Assassinato da Santinha, lançado este mês, o crime jamais foi solucionado.

Juan Cicero

O túmulo do uruguaio foi tombado pelo Patrimônio Cultural de União da Vitória. Quem visita o cemitério encontra com facilidade a sepultura: fica à esquerda, poucos metros à frente da entrada. Conforme a placa cultural de identificação (existem vários destes marcos no cemitério e também em toda a cidade) Cicero instalou a primeira cooperativa na cidade. Pela importância do seu trabalho, ele cegou a ser nomeado cônsul do Uruguai para a cidade. No tumulo, uma placa com um pé de erva-mate (até hoje cuidado pelos zeladores do cemitério) e uma representação da fabricação do vinho, estão dispostas.

José Cleto

Entre outas autoridades sepultadas ali, está José Cleto, ex-prefeito de União da Vitória. Ele faleceu em outubro de 1960. Além da representatividade, o tumulo tem a assinatura do prefeito na lápide como atrativo para os visitantes.

Assista!

Uma boa sugestão de filme sobre essa relação de vida e morte, é a animação ‘A Vida é uma Festa’. O longa conta a história de Miguel, um menino de 12 anos que quer muito ser um músico famoso. Mas, ele precisa lidar com sua família que desaprova seu sonho. Determinado a virar o jogo, ele acaba desencadeando uma série de eventos ligados a um mistério de cem anos. A aventura, com inspiração no feriado mexicano do Dia dos Mortos, acaba gerando uma extraordinária reunião familiar.

Conforme Martins, o primeiro sepultamento feito em União da Vitória, aconteceu no cemitério do bairro Limeira